por Vinicius Soares*
Se no século 20 o destino das nações já estava condicionado pelo grau de investimentos em produção científica, a recente onda de tarifaço dos EUA reafirma essa lógica no presente. Não à toa, os produtos brasileiros que obtiveram isenção, como os aviões da Embraer, estão entre aqueles de maior valor agregado. Ao redor do mundo, diversos países têm lançado pacotes de investimentos em Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) como resposta estratégica às restrições externas.
Trata-se de uma forma de reafirmar soberania e independência por meio da chamada inovação resiliente, que combina autossuficiência tecnológica, investimentos massivos e diversificação global das cadeias produtivas. Para que essa estratégia alcance êxito, a força de trabalho científica é fundamental. A formação de recursos humanos de alto nível, especialmente doutores, é um dos pilares do avanço científico, da transformação social e do desenvolvimento no século XXI.
Não por acaso, estudos da OCDE demonstram que o número de doutores por habitante está diretamente relacionado ao grau de desenvolvimento dos países. No entanto, embora o Brasil tenha retomado a meta de titular 25 mil doutores por ano, observa-se um preocupante aumento da evasão e uma queda no interesse por programas de mestrado e doutorado, tornando a pós-graduação uma perspectiva cada vez menos viável para grande parte da juventude. Hoje, já enfrentamos o menor número de ingressantes no doutorado desde 2014.
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Esse afastamento está diretamente relacionado à desvalorização dos pós-graduandos. Mesmo com o reajuste promovido em 2023, as bolsas permanecem com defasagem histórica: atualmente equivalem a apenas 1,4 salário-mínimo para mestrandos (R$ 2.100,00) e menos de 2 salários mínimos para doutorandos (R$ 3.100,00). Em 1995, a bolsa de doutorado correspondia a 10 salários-mínimos. Além disso, menos de 45% dos estudantes de mestrado e doutorado recebem bolsas, o que dificulta a permanência, especialmente para aqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica. Trata-se de uma força de trabalho altamente qualificada e essencial ao desenvolvimento científico e tecnológico do país, mas que segue sem valorização proporcional à sua relevância estratégica.
A ausência de direitos trabalhistas e previdenciários agrava o cenário. Mestrandos e doutorandos não têm acesso à seguridade social nem a benefícios básicos como auxílio-doença, auxílio-acidente ou adicionais por insalubridade. Tampouco o tempo dedicado à pesquisa é contabilizado para fins de aposentadoria, criando um “limbo previdenciário” que desestimula a carreira acadêmica e favorece a fuga de cérebros para o exterior ou para setores de menor produção científico-tecnológica. Soma-se a isso a sobrecarga de trabalho, a pressão por produtividade, a instabilidade financeira e a carência de apoio institucional — fatores que impactam gravemente a saúde mental, gerando altos índices de ansiedade, depressão e adoecimento psíquico, situação agravada no pós-pandemia.
Diante desse quadro, se o Brasil pretende fortalecer sua soberania e independência em um cenário global marcado por disputas comerciais, avanços tecnológicos acelerados e intensa competição científica, é imprescindível apresentar um pacote robusto e contínuo de medidas para fortalecer a ciência. Nesse contexto, os pós-graduandos brasileiros paralisarão suas atividades no próximo 12 de agosto, mobilizando-se em caravana a Brasília para apresentar ao Governo Federal e ao Congresso Nacional propostas que valorizem os jovens pesquisadores e atraiam novos talentos para a produção científica.
A valorização dos jovens cientistas deve estar no centro desse pacote, com políticas que assegurem bolsas para todos, compatíveis com o custo de vida, direitos previdenciários, condições dignas de trabalho e um ambiente de pesquisa estável. Assim, o país não apenas preservará sua força de trabalho qualificada, mas também consolidará as bases para um desenvolvimento soberano, justo e sustentável.
*presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos e doutorando em Saúde Coletiva pela UFRJ