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Projeto social oferece curso gratuito de tecnologia para pessoas transgênero

A iniciativa TransDevs busca incluir pessoas transexuais, travestis e não-binárias no mercado tecnológico, além de promover diversidade e um ambiente acolhedor para a comunidade LGBTQIAPN+

Marina Rodrigues
postado em 09/02/2025 06:00 / atualizado em 09/02/2025 09:34
Segundo encontro da turma TransDevs em São Paulo -  (crédito: Arquivo pessoal)
Segundo encontro da turma TransDevs em São Paulo - (crédito: Arquivo pessoal)

Segundo o Datafolha, há cerca de 15,5 milhões de brasileiros pertencentes à comunidade LGBTQIA+ no país. No Distrito Federal, são 87.920 pessoas, o que equivale a 3,8% da população com 18 anos ou mais, aponta a Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílios (Pdad) 2021.

Apesar da parcela significativa, a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho é um desafio. Levantamento de 2024 do Fórum de Empresas e Direitos LGBTI+ e da To.gather analisou 300 empresas com 1,5 milhão de trabalhadores. Desses, 4,5% são LGBTQIA+, sendo apenas 0,38% trans. O resultado evidencia a subrepresentatividade do grupo e o aproveitamento limitado dessa mão de obra no Brasil.

Na contramão, iniciativas como o TransDevs vêm mudando essa realidade. Criado pela DiversificaDev, o curso gratuito de programação busca não apenas ensinar habilidades técnicas, mas construir uma rede de apoio e pertencimento, em especial, para pessoas trans, travestis e não-binárias de todo o país.

De acordo com Thalles Bastos, fundador e idealizador do projeto, a iniciativa surgiu de uma inquietação pessoal relacionada à falta de diversidade no local onde trabalhava. "Não via mulheres, pessoas negras ou trans naquele ambiente. Isso sempre me incomodou", lembra.

O primeiro passo foi dado em 2011, com mentorias individuais. A partir de 2020, quando a DiversificaDev foi registrada, eram oferecidos cursos gratuitos de programação web para turmas de 20 a 40 pessoas e comunidades de grupos minorizados. Em 2024, foi lançado oficialmente o TransDevs e, desde então, a procura só aumentou: "Atualmente, temos 1.042 pessoas trans inscritas, sendo 452 que já cursaram ou estão cursando e 590, em lista de espera para os cursos que oferecemos. Nossa missão é formar 300 pessoas trans e colocar, pelo menos, 60 delas no mercado de trabalho até junho de 2025", afirma.

Experiência

Ensinando a desenvolver sites e aplicações web, os cursos básicos oferecidos pelo TransDevs são de Front-end (o mais procurado), Python e inteligência artificial, todos com inscrições abertas. Cada turma tem duração de dois meses, com aulas on-line via Google Meet e suporte de uma equipe totalmente voluntária. "Cada turma tem três pessoas na coordenação, sendo uma responsável por instrução e duas, pela monitoria. Em apenas 4 meses, crescemos de 80 para mais de 1.100 pessoas ainda cursando. Iniciamos com 50 estudantes", detalha o fundador.

Para muitas pessoas trans, travestis e não-binárias, a falta de um ambiente seguro e de uma rede de apoio é uma barreira maior do que a própria qualificação técnica. "Temos depoimentos de estudantes dizendo que o curso foi essencial, mas o acolhimento da comunidade fez toda a diferença para que continuassem na área", diz Thalles.  

Um exemplo marcante foi o de Yui Árthemis, 29 anos, uma travesti em situação de vulnerabilidade que entrou no curso sem material tecnológico e, na terceira aula, já havia criado um site funcional. "Ela me explicou que pegou o computador do irmão e assistiu a vídeos para conseguir criar a página. Eu fiquei impressionado e disse: 'Você deveria estar ganhando bem e trabalhando ao meu lado!", lembra. 

Poucos dias depois, Yui ligou para Thalles pedindo auxílio após sofrer uma agressão na rua. Sensibilizado, o professor decidiu acolhê-la, auxiliando não só com os estudos, mas com uma rede de apoio e proteção. "Isso é o que move o projeto, é o que fez tudo começar", explica o idealizador. Hoje, Yui está estudando em uma escola em Paris, na França, e estagiando na área de tecnologia. "Você mudou meu destino e me deu um rumo para a vida", declara Yui ao amigo.  

Thalles e Yui em 2022, durante a formação
Thalles e Yui em 2022, durante a formação (foto: Arquivo pessoal)

Andressa Freitas Soares, 27, participou da terceira turma do TransDevs e se formou em janeiro deste ano. Ela conta que o curso abriu uma oportunidade de conhecimento "não só na área de trabalho e estudo, mas de vida". "Além das aulas com foco na matéria, a gente começa a ter mais contato com pessoas como a gente que estão dando certo na vida, o que gera um momento de conforto, (uma sensação de) que vamos e podemos chegar longe", relata. 

No momento, ela faz faculdade a distância de gestão da tecnologia da informação (TI) e tem um emprego no setor de vendas, mas se prepara para buscar novas vagas na área de TI. "Com as oportunidades que o TransDevs está abrindo, estou conseguindo aprender bastante sobre áreas da tecnologia e meu currículo está crescendo. Ainda estou no processo da faculdade, devo terminar no fim deste ano, mas estou na expectativa de conseguir ingressar logo para esse mercado de trabalho", diz.

Andressa Freitas, 27, concluiu o curso em janeiro e busca vagas na área
Andressa Freitas, 27, concluiu o curso em janeiro e busca vagas na área (foto: Arquivo pessoal)

Voluntariado

Com a crescente demanda, a equipe da DiversificaDev enfrenta desafios para atender a todas as inscrições. Para 2025, há planos de ampliar a oferta para 10 novos cursos, incluindo formação em inglês. No entanto, a expansão depende da captação de recursos e parcerias. 

Nesse sentido, o projeto também está com inscrições abertas para voluntariado, buscando instrutores, designers, profissionais de marketing, psicólogos e embaixadores para apoiar a causa. "Se você quer contribuir para a diversidade e para a inclusão, inscreva-se e faça parte do projeto!", convida Thalles. Saiba mais sobre a iniciativa no site: https://diversifica.dev/.

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