Vencedor da temporada inaugural do reality Chef de alto nível, exibido pela TV Globo, Luiz Lira não enxerga o título apenas como uma conquista pessoal. Aos 35 anos, o chef paulista que percorreu cozinhas da Europa, e hoje é radicado em Brasília, afirma que seu maior propósito ultrapassa os troféus e prêmios: formar novas gerações de cozinheiros e transformar o setor gastronômico do país a partir da educação. "Vai muito além do status: educar é o que me motiva", declara o mais novo astro da gastronomia brasileira, em entrevista exclusiva ao Trabalho & Formação profissional.
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Lira recebeu a reportagem em um fim de tarde poucos dias após ser anunciado, ao vivo, em rede nacional, como o campeão da atração global. O encontro ocorreu na cozinha-escola da tradicional unidade da 116 Sul do Senac Gastronomia, onde é hoje chef-executivo. Ele é o nome à frente da nova unidade no Eixo Monumental, projeto em fase de construção que promete se tornar referência em vivências e saberes gastronômicos na capital federal. Ali, ele encontra terreno fértil para sua missão: criar mão de obra mais qualificada, disseminar técnicas e processos aprendidos nos melhores restaurantes do mundo e, sobretudo, valorizar o Cerrado como fonte de sabores.
"Eu não quero ser o chef das galáxias, eu quero educar. A educação, para mim, vai além de qualquer vaidade, de qualquer título. Eu sou mensageiro, quero formar novos cozinheiros para que minha profissão seja melhor e seja mais reconhecida. Quero que o Brasil tenha uma mão de obra cada vez melhor, cozinheiros que entendam a complexidade da cozinha, que respeitem a hierarquia, os insumos. Quero trazer essa formação, transformar pessoas. Passar conhecimento me move mais que o status. Essa é a minha essência: gosto de ensinar, e de ensinar fazendo na prática", afirma Lira.
Chamado de "fenômeno" pelos chefs jurados e mentores Alex Atala, Henrique Rueda e Renata Vanzetto, Lira acredita que o conhecimento é o grande fenômeno. "Eu provo de tudo que eu vejo e quero transformar tudo em receita. Seja uma única cenoura, mas eu vou transformá-la em um prato de alto nível. Sempre trabalhei com vários tipos de produtos em todo lugar por onde eu passei, no mundo inteiro. É preciso conhecer, provar de tudo e transformar", ensina o gastrônomo que também é chamado de "alquimista" pela expertise em transformar sabores.
Paixão veio no DNA
A cozinha entrou em vida de Lira ainda na infância, pela influência da avó, Quitéria, falecida em 2001, que durante anos foi assistente de Ana Maria Braga — uma grande artimanha do destino —, ainda na TV Record. Ainda criança, ele chegou a acompanhá-la em gravações do extinto Note e anote, mas só foi reencontrar a apresentadora do Mais você e do Chef de alto nível quando estava selecionado para participar do programa.
Criado com três irmãos apenas pela mãe, uma mulher trabalhadora e exigente, o jovem Luiz descobriu cedo o prazer de cozinhar para a família. O desejo de agradar pelo sabor já existia, e a família era os testadores do tempero do futuro chef. "Eu sentia prazer em produzir e oferecer o alimento e a escuta para ouvir a opinião dos meus irmãos", lembra.
Foi também cedo que decidiu sair pelo mundo. Aos 17 anos, desembarcou em Barcelona com 200 euros no bolso e sem falar nenhum idioma. Passou de panfleteiro de rua a funcionário de fast food. Ali, viu a cozinha como profissão. "Me deparei pela primeira vez com a cozinha de processos, na prática, mas a adaptação foi fácil, porque era algo que eu trago na raiz por ter uma mãe muito rígida e exigente", observa.
Até que, ao se qualificar em curso profissionalizante — uma regra europeia para se atuar em cozinhas de restaurantes —, ingressou no universo das boas mesas europeias. Cinco anos em Barcelona o levaram a cozinhas familiares e a cardápios sofisticados. "Me certifiquei após um ano e meio e, aos 19 anos, fui aprender os processos europeus na prática, a carga de trabalho e complexidade dos menus, vários tipos de restaurantes, organização, gestão, vários estilos de cozinha", relata.
O Cerrado como destino
Também foi ali que conheceu a esposa, Mariana, arquiteta brasiliense que estudava na Espanha e o conduziu de volta ao Brasil, especificamente à capital federal. Chegou a Brasília pouco depois, e foi aqui que deu os primeiros passos no Senac, instituição que marcaria sua trajetória profissional. "Cheguei aqui por meio de um anúncio nos Classificados do Correio Braziliense", assinala Lira.
No Senac, começou como ajudante de cozinha na unidade da Câmara dos Deputados e, aos poucos, foi validando sua experiência internacional com cursos locais e processos seletivos internos, até tornar-se instrutor. Paralelamente, graduou-se em gastronomia no Uniceub e fez pós-graduação em restaurantes e serviços na Unieuro. "Eu sou apaixonado por Brasília. São Paulo, desde então, é um passeio, não mais para morar. Rodei o mundo, mas Brasília é o meu lugar. É um parque ao ar livre, amo a hospitalidade do povo e, claro, explorar os produtos da região", assinala.
Essa história, no entanto, seria interrompida por uma temporada decisiva em Paris. Após cinco anos, veio um chamado irrecusável e, com a família já formada com Mariana, incluindo a primeira filha, hoje com 7 anos, Lira mudou-se para a França, onde teve a segunda menina, hoje com 4 anos, e consolidou-se como profissional de alto nível.
Lá, Luiz foi sous chef no Oka, restaurante comandado por Raphael Rego — "o primeiro brasileiro a conquistar uma estrela Michelin na França, imagina o orgulho de ter feito parte disso!" "A gente levou o Brasil para a mesa da França. Produtos da Amazônia, a mandioca, a tapioca, o tucupi, o açaí, insumos que ninguém conhecia", observa, com a empolgação de quem sabe que fez a diferença.
Mas o brasileiro queria sair da zona de conforto. "Eu estava na França e sentia necessidade de conviver mais com o idioma e, especialmente, com a gastronomia local. Ali é o berço da culinária, eu precisava beber dessa fonte para evoluir como profissional", explica.
Hierarquia dos processos
Nesse período parisiense, o chef atuou em casas de luxo, como o George V, do Four Seasons, e ainda deu aulas em escolas renomadas, como Le Cordon Bleu e École Ducasse. "Agradeço muito às minhas competências, porque fui aprovado após três dias de provas para entrar, inclusive dando aulas para grandes chefs franceses avaliarem. Imagina isso, um jovem cozinheiro brasileiro dando aula para os chefs mais tops do mundo", celebra.
A experiência europeia ensinou Lira a valorizar a disciplina, o rigor técnico e o respeito pelo alimento. "Na França, não se cozinha uma proteína sem antes dominar o corte, por exemplo. Para ir para o fogão, é preciso dominar a faca. Esse aprendizado e essa valorização da hierarquia dos processos foram fundamentais para mim", lembra. No currículo, acumula momentos diante de príncipes, sheiks e astros do mundo pop, mas é em Brasília que diz ter encontrado o sentido de sua trajetória. "Não é o dinheiro que me move, é a transformação. Quero formar profissionais que respeitem os insumos, entendam a complexidade da cozinha e reconheçam a importância da hierarquia", afirma.
O verdadeiro fenômeno
De volta à capital federal, após sete anos, retomou o vínculo com o Senac, agora em posição de liderança. Para Lira, o futuro da gastronomia brasiliense passa por valorizar cada vez mais os produtos do Cerrado, explorando sabores além dos pratos tradicionais. "O bioma é riquíssimo, e vejo aqui uma fonte inesgotável de sabor", resume.
Sua vitória no Chef de alto nível apenas reforça a visibilidade de uma carreira marcada pela inquietude e pela busca constante de aprendizado. No programa, inspirado no formato internacional Next level chef, comandado por Gordon Ramsay, Lira destacou a culinária brasileira por meio de ingredientes inusitados e conquistou os R$ 500 mil do prêmio, além da mentoria de chefs renomados, uma viagem aos Estados Unidos para conhecer a sede do Outback e uma imersão pela rede no Brasil.
E o chef "fenômeno", que prefere relativizar os títulos, faz o convite: "Quem quiser aprender, é só vir comigo. A gente vai cozinhando e aperfeiçoando em conjunto. Minha cozinha é afetiva, de raiz, mas também técnica. Ela existe aqui, nessa ponte entre o cérebro e o coração".
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