Carreira

Natal no ar: conheça a rotina de trabalho de Papais Noéis brasilienses

Entre sorrisos, pedidos inesperados e gestos de carinho, Papais Noéis brasilienses revelam segredos da profissão e e como manter viva a magia do natal

Sofia Sellani*
postado em 21/12/2025 06:00 / atualizado em 21/12/2025 06:00
Trabalhar como Bom Velhinho é mais do que interpretar um personagem. Além de uma oportunidade de emprego temporário, é um período, para muitos desses profissionais, de se conectar com o público e contagiar crianças e adultos com a magia do Natal. Conheça a história de vários Noéis que foram contratados por shoppings da cidade. -  (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Pres)
Trabalhar como Bom Velhinho é mais do que interpretar um personagem. Além de uma oportunidade de emprego temporário, é um período, para muitos desses profissionais, de se conectar com o público e contagiar crianças e adultos com a magia do Natal. Conheça a história de vários Noéis que foram contratados por shoppings da cidade. - (crédito: Marcelo Ferreira/CB/D.A Pres)

Longe da neve e dos cenários típicos dos filmes americanos, o Natal brasileiro é marcado por salpicão, rabanadas e gargalhadas. Entre almoços de família e troca de presentes, uma figura que não falta nas comemorações brasilienses são os Papais Noéis. Com roupas vermelhas e risadas calorosas, os Bons Velhinhos chegam para espalhar alegria desde crianças até adultos.

Mas o que fazem os Noéis pelo resto do ano? Distantes dos tronos e das longas filas de fotos, muitos deles retornam às rotinas: trabalham em outras áreas, viajam, pescam e guardam histórias que vão muito além do mês de dezembro.
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O Correio conversou com alguns desses profissionais espalhados pela capital, que, com trabalhos autônomos ou contratados por empresas terceirizadas, podem ganhar salários de entre 20 a 40 mil. Com alegria, eles compartilharam experiências, memórias e os pedidos mais curiosos que já receberam. 

Carinho com as crianças Werner Esser, 68 anos 

Papai Noel Werner Esser está estreando como Papai Noel do Brasília Shopping
Papai Noel Werner Esser está estreando como Papai Noel do Brasília Shopping (foto: Divulgação/ Telmo Ximenes)

Aos 68 anos, o sulista Werner Esser está se apresentando pela primeira vez no Brasília Shopping . Ele foi contratado por uma empresa terceirizada. “A alegria que vejo no olho de uma criança não tem preço”, afirmou. Apesar de exercer a profissão há seis anos trabalhando como freelancer e visitando comércios e famílias nas residências, algo que não muda para o Noel é o carinho que tem pelos pequenos.”Todos nós temos um pouco de criança dentro de si”, revelou. 
Ao longo dos outros meses do ano, enquanto o Natal não chega, Esser trabalha como motorista de aplicativo. Ele afirma ser reconhecido por onde quer que vai, tanto pelas crianças, quanto pelos passageiros. De acordo com o Bom Velhinho, o carinho que recebe é a melhor parte do ofício. “Não importa a idade”, brincou ao revelar que recebe desde pequenos até adultos.  
Com dupla nacionalidade alemã, o carinhoso Papai Noel também é ativo nas mídias digitais. Com o perfil monitorado pela filha Julyana Esser, de 25 anos, a conta @ papai_noel_wener, no Instagram, possui  fotos e vídeos do Bom Velhinho. Assim, o Noel continua a conexão com o público durante o restante do ano. “Não importa o local, o amor das crianças é o mesmo”.  

O charme do figurino Pedro Villas Boas, 61 anos 

Villas Boas trabalha há 13 anos no Taguatinga Shopping
Villas Boas trabalha há 13 anos no Taguatinga Shopping (foto: Divulgação/ Telmo Ximenes)

Fora do personagem, o ex-policial aposentado Pedro Villas Boas, 61, estava de férias em Caldas Novas, em Goiás, quando uma criança o avistou e começou a gritar “Papai Noel, Papai Noel”. Vendo o desespero do filho, a mãe do menino se aproximou e perguntou: “Meu filho está dizendo que o senhor é Papai Noel. Será que podemos tirar uma foto?” 
O que a mãe não esperava era que o filho conhecia o Bom Velhinho. Conversando com a criança, Villas Boas descobriu que a família frequentava o Taguatinga Shopping, local onde há 13 anos trabalha como Papai Noel. “A parte mais legal é o reconhecimento”, comentou.  
Entretanto, assim que entra no personagem, o aposentado, contratado por empresa terceirizada, prefere ser chamado apenas de Papai Noel. “O meu nome é esse em qualquer lugar em que eu esteja vestido assim” se apresentou mostrando a decorada roupa vermelha. Após se aposentar e ter deixado a barba crescer, a vizinha, que tinha sido ajudante de Papai Noel, perguntou por que não entrava no ramo. E foi assim que passou a levar a figura natalina como profissão.  
Como “pré-requisitos” para o ofício, reforça que, para ser um Bom Velhinho, é necessário ter didática com as crianças. “Você não pode ser demorado demais, nem muito rápido”, comentou. Além disso, lembra que é necessário posicionar a criança de forma respeitosa na hora da foto, além de ter carisma e simpatia com os pais dos pequenos. 
Fora do trono, também participa de ações e ONGs para as quais é convidado. Uma delas é o  TGS Solidário. Braço social do Taguatinga Shopping, a ação consiste em visitas às instituições cadastradas que trabalham com crianças em situação de vulnerabilidade social. Ao fim da campanha, o total arrecadado é convertido em presentes que serão entregues aos pequenos.  

Magia do teatro Waldner Balduino, 64 anos

Balduino é Noel do Conjunto Nacional há quatro anos
Balduino é Noel do Conjunto Nacional há quatro anos (foto: Divulgação/ Telmo Ximenes)

O extrovertido e brincalhão Walder Balduino, 64, com quatro anos de profissão, concorda que, além do carisma, ter “uma cara boa” é essencial para o papel do Noel. “A criança é um ser transparente, então  temos que ter expressão corporal”, afirma. Com 21 anos de experiência no teatro,  trabalhando tanto atuando, quanto nos bastidores, o Bom Velhinho acredita que a vivência artística fez toda diferença na interpretação como Papai Noel no Shopping Conjunto Nacional, para onde foi contratado por empresa terceirizada.  
“Tá no sangue”, brinca. “Eu adoro brincar com as crianças, os pais também sempre se divertem”. De acordo com Balduino, os pequenos, quando chegam ao Noel, esperam por algo divertido, animado. Então, bom humor não pode faltar. Fora do papel natalino, Balduino é apaixonado por  jardinagem. Com um quintal recheado de temperos, como coentro, salsa e cebolinha, comenta que poucos conhecem o ótimo cheiro do orégano fresco. 
Entretanto, por mais que ame crianças, todos os “filhos” do Bom Velhinho possuem quatro patas. Com seis cachorros, revela a grande paixão por animais. Porém, os bichos não o encantam apenas em casa, mas também na hora das fotos natalinas. O Bom Velhinho conta que entre os animais que recebeu estão cachorros, gatos e até mesmo uma galinha. A chamada “Nugget”, que também quis garantir a foto de final de ano. 

Espírito natalino João Batista Neto, 78 anos 

João Batista, do Shopping Pátio Brasil: 18 anos alegrando as festas natalinas
João Batista, do Shopping Pátio Brasil: 18 anos alegrando as festas natalinas (foto: Marcelo Ferreira/CB/D.A Press)
Há 18 anos, o mineiro João Batista Neto, 78, alegra as festas natalinas. “Eu comecei como uma brincadeira, e depois isso acabou virando uma profissão”, conta o Noel ao relembrar a trajetória. Desde a década de 60, o Bom Velhinho estava na capital. A motivação começou na família. “Um acabou convidando o outro, de repente,  passei a ser chamado a ir às casas dos amigos. Após dois anos, surgiu a primeira oportunidade”, comentou. “Depois que eu fui convidado pela primeira vez, parece que acendeu algo na minha cabeça. Desse dia para cá, nunca mais parei”.  
Hoje, o Noel se apresenta no Shopping Pátio Brasil, a partir de outra empresa, e comenta se emocionar com diversos pedidos, sendo sempre surpreendido pela maturidade das crianças tão pequenas. Entre eles estão empregos, saúde para os pais, pares de chinelo e até materiais escolares. Entretanto, o inesquecível ocorreu no ano anterior: duas garotas que haviam tirado foto com o Bom Velhinho, pacientes do hospital da Rede Sarah, retornaram este ano para conversar novamente com o Noel.  
“Tem que ter espírito. Não adianta fazer e não gostar, eu sinto muita falta nos outros meses”, comentou. Na época da pandemia da covid-19, quando não conseguiu fazer o ofício, Neto sentiu muita falta. “Aquilo para mim foi como se tivesse tirado um pedaço da minha alma”. No tempo livre, ele gosta de viajar com a esposa e a filha. Além dos passeios, diz, da paixão por pescar.  

Coração gigante Edclei Figueiredo, 49 anos 

O sonho de infância de Edclei Figueiredo era conhecer o Bom Velhinho. Hoje, é o Papai Noel do Boulevard Brasília
O sonho de infância de Edclei Figueiredo era conhecer o Bom Velhinho. Hoje, é o Papai Noel do Boulevard Brasília (foto: Bruna Gaston CB/DA Press)

O sonho de Edclei Figueiredo, 49, sempre foi conhecer o Papai Noel. “A gente não tinha condições para ir ao shopping”, relembrou Figueiredo ao falar que na infância, passada no Rio de Janeiro, nunca chegou a ter condições financeiras para conhecer um Bom Velhinho. Aos 32 anos, conseguiu ir em um passeio ao shopping, porém as decorações ainda estavam sendo montadas. Longe de ficar desanimado, avistou o trono de um Papai Noel vazio e se sentou. Em tom de brincadeira, disse: “hohoho sou o Papai Noel”, e quando percebeu, um rapaz veio em sua direção e perguntou algo que acenderia uma chama na cabeça do também servidor público: “E não é que parece mesmo?” 
E foi assim que a jornada na profissão começou. Atualmente, após 17 anos do ocorrido, o servidor conta que em todos os anos consegue uma licença para atuar nos períodos natalinos. Por fazer plantões, consegue as folgas necessárias. Segundo o Bom Velhinho, o melhor da profissão “é viver em parte o sonho das pessoas”, afirmou. “Aqui, é a minha terapia”. De acordo com Noel, delicadeza, paciência, calma e amor não podem faltar. “Às vezes, chega uma criança cadeirante, e a cadeira não consegue chegar até o trono, então temos que ter aquele sentimento, a delicadeza de levantar se ajoelhar para ficar perto dele e ter esse carinho”.  
Com salário não informado, o Noel conta que também aprendeu a se comunicar em libras. Após receber uma criança que necessitava da comunicação e ficar um pouco perdido em como prosseguir, resolveu que estava na hora de se aventurar. Agora, após receber um grupo de jovens asiáticos, o novo desafio está lançado: aprender mandarim.  

O milagre de Natal Alberto Fernandes, 65 anos 

Carioca Alberto Fernandes ganhou a vaga de Papai Noel do ParkShopping no ano passado
Carioca Alberto Fernandes ganhou a vaga de Papai Noel do ParkShopping no ano passado (foto: Divulgação/ Cristiano Sérgio)

O carioca Alberto Fernandes, 65, nunca imaginou que uma visita casual no shopping lhe daria o cargo de Papai Noel. Ano passado, quando Fernandes veio visitar a filha na capital, resolveu alugar um carro para trabalhar como motorista de aplicativo, até que recebeu uma passageira com destino ao Park Shopping.  
“Aí veio uma vozinha falando ‘vai lá ver o Papai Noel’’, relembrou. Dito e feito, apesar de atuar como profissional na área há cinco anos, resolveu conferir como estava o Bom Velhinho. Entretanto, testemunhou uma cena inesperada: o Noel do local estava passando mal. “Eu o vi passando na minha frente”, contou. “ Aí, o rapaz que estava lá disse: ‘Deus mandou você vir aqui’’’.  
E foi assim que surgiu a pergunta se seria possível que Fernandes cobrisse o Papai Noel. Este ano, após um ano da situação, o Noel voltou para o Park Shopping, e continua alegrando de crianças a idosos. O desejo de começar a carreira, no entanto, veio de forma curiosa. Fernandes sempre atuou como comerciante, sendo dono de negócios como hotel, restaurante e até academia. “Eu sempre fui desenrolando”, comentou o Noel com bom humor, que brinca ter voz de vendedor de picolé. Porém, após momentos difíceis com os negócios, entrou em uma fase depressiva.  
“Eu não conseguia mais sair da cama”, relembrou. De repente, quando usava o celular, encontrou um curso de Papai Noel e decidiu se aventurar no ramo. “Foi aí que eu me encontrei de novo”. E foi dessa forma que Fernandes decidiu levar a diversão de ser Papai Noel em casa e em festas de condomínio para o meio profissional.  
“Meus filhos nem me reconhecem se eu tirar a barba”, disse, em tom de brincadeira. Há seis anos, não fica sem a característica emblemática. O Noel também comenta das experiências internacionais. Entre os destinos, relembra a viagem aos Estados Unidos, França e Espanha. “Em 43 dias, eu conheci a mãe dos meus filhos e me casei”, comentou Fernandes, ao lembrar a história de como encontrou a esposa em um elevador da Espanha. Com salário não informado, termina com a recomendação de que todos passem pelo menos uma vez o Natal em Vigo, cidade espanhola.  

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