Diplomacia

100 governos participam de cúpula sobre autoritarismo promovida por Biden

Presidente falou em "ponto de inflexão", mas países rivais dos EUA, como China e Rússia, não foram convidadas

Rodrigo Craveiro
postado em 10/12/2021 06:00
 (crédito: Nicholas Kamm/AFP)
(crédito: Nicholas Kamm/AFP)

Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, cientistas políticos da Universidade de Harvard, escreveram no best-seller How do democracies die ("Como as democracias morrem") que a preservação do Estado de Direito está em algumas grades de proteção, como um Judiciário independente e uma imprensa livre. Quando políticos e apoiadores tentam remover essas barreiras, as democracias correm o risco de serem substituídas por regimes autoritários. Ciente de que a humanidade vive um "ponto de inflexão", o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, organizou ontem a primeira Cúpula sobre Democracia.

O evento, por meio de videoconferência, reuniu cerca de 100 governos, incluindo o Brasil: o presidente Jair Bolsonaro gravou um vídeo, que deverá ser divulgado hoje pela Casa Branca. Rússia, China e oito países latino-americanos — Nicarágua, Cuba, El Salvador, Bolívia, Honduras, Guatemala, Haiti e Venezuela — não foram convidados.

Biden inaugurou a cúpula às 8h12 (10h12 em Brasília). "Em face dos desafios constantes e alarmantes à democracia e aos direitos humanos — e em todo o mundo —, a democracia necessita de defensores", advertiu o presidente norte-americano. "A democracia não ocorre por acidente, ela precisa ser renovada a cada geração. (...) Os dados de que dispomos apontam em grande parte na direção errada", acrescentou. "Permitiremos que o retrocesso dos direitos e da democracia continue de forma desenfreada? Ou iremos juntos (...) ter uma visão (...) e a coragem para liderarmos, uma vez mais, a marcha do progresso e da liberdade humana?", questionou o anfitrião.

A cúpula ocorre 337 dias depois que simpatizantes do então presidente Donald Trump invadiram o Capitólio, sede do Congresso dos EUA, para tentar impedir a confirmação do nome de Biden como sucessor. Durante a ação antidemocrática, cinco pessoas morreram. "A democracia americana é uma luta contínua para vivermos de acordo com os nossos ideais mais elevados e para curar nossas divisões", declarou Biden em seu pronunciamento de boas vindas aos participantes.

Por sua vez, Uzra Zeya — subsecretária de Estado para Segurança Civil, Democracia e Direitos Humanos — disse que "países em praticamente todas as regiões do mundo experimentaram graus de retrocesso democrático".

O boicote ao evento incomodou Moscou e Pequim. "Nenhum país tem o direito de julgar o vasto e variado panorama político do mundo com um único critério", escreveram Anatoly Antonov e Qin Gang, os embaixadores da Rússia e da China em Washington. A insatisfação de Pequim tem um motivo a mais: além da própria ausência, os chineses não gostaram do convite a Taiwan, ilha capitalista e democrática considerada pela China como parte inalienável de seu território.

Eficiência

Para James Goldgeier, especialista do The Brookings Institution e professor de relações internacionais da Universidade Americana (em Washington), a eficiência da cúpula promovida por Biden dependerá muito da natureza dos compromissos firmados pelos países participantes e dos mecanismos que a reunião lançará mão para responsabilizar as nações por suas promessas. "O presidente Biden vê uma competição central no mundo entre democracias e autocracias. Ele espera gerar maior colaboração entre as democracias para administrar os inúmeros desafios colocados pela China e pela Rússia", afirmou ao Correio.

Goldgeier sublinha que os Estados Unidos são a democracia mais importante do planeta. "Historicamente, os EUA são um líder global. No entanto, a democracia está corretamente sob ataque. Em vários estados, os republicanos tornam mais difícil para as pessoas votarem. Acima de tudo, o governo Biden precisa usar essa cúpula para encontrar meios de salvar a democracia nos EUA", advertiu.

Os critérios de participação da cúpula causaram polêmica. Paquistão e Filipinas estão dentro, enquanto o governo nacionalista da Hungria, membro da União Europeia, ficou de fora. Bolsonaro foi convidado, enquanto o presidente da Turquia — país-membro da Organização do Tratado do Atlântico Noret (Otan) —, Recep Tayyip Erdogan, ficou de fora.

Ontem, Daniel Ziblatt — coautor de How do democracies die — fez questão de comentar a iniciativa de Biden. "Defender e fazer avançar a democracia em casa é necessário para defendê-la em qualquer lugar", escreveu no Twitter.

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