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Hong Kong: crimes políticos de traição passam a ser punidos com prisão perpétua

O texto, que estabelece pena de até 20 anos de reclusão para roubo de segredos de Estado, aumenta o poder repressivo à dissidência no território semiautônomo, levando apreensão à comunidade internacional

Membros do Conselho Legislativo aprovam mudanças: prisão  perpétua para traição e insurreição -  (crédito: AFP)
Membros do Conselho Legislativo aprovam mudanças: prisão  perpétua para traição e insurreição - (crédito: AFP)
postado em 20/03/2024 03:55

A partir do próximo sábado, os crimes políticos de traição e insurreição praticados em Hong Kong poderão ser punidos com prisão perpétua. Essa é uma das principais medidas previstas na nova lei de segurança nacional, aprovada ontem, em prazo curto, pelo Parlamento local, em sintonia com Pequim. O texto, que estabelece pena de até 20 anos de reclusão para roubo de segredos de Estado, aumenta o poder repressivo à dissidência no território semiautônomo, levando apreensão à comunidade internacional.

"Hoje (ontem) é um dia histórico para Hong Kong", declarou John Lee, o chefe do Executivo. "A lei permitirá que Hong Kong previna, proíba e puna de forma eficaz as atividades de espionagem, conspirações e armadilhas criadas por unidades de inteligência estrangeiras, além de infiltração e sabotagem realizadas por forças hostis", acrescentou Lee, apoiado pela China.

Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia expressaram preocupação com uma lei que restringe ainda mais as liberdades em Hong Kong e pediram aos legisladores que dediquem mais tempo para examinar o seu impacto.

"Estamos alarmados com o avanço dessas medidas imprecisas", reagiu Vedant Patel, porta-voz da diplomacia norte-americana. "Acreditamos que esse tipo de ação tem o potencial de acelerar o fechamento da sociedade de Hong Kong, antes aberta", acrescentou.

Por sua vez, o ministro britânico das Relações Exteriores, David Cameron, denunciou que o texto "prejudica o cumprimento, por parte de Hong Kong, de suas obrigações internacionais vinculantes". Já o alto comissário da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos Humanos, Volker Turk, criticou a adoção "acelerada" da lei, que chamou de "um retrocesso na proteção dos direitos humanos".

O Conselho Legislativo (LegCo) da ex-colônia britânica, onde não há representantes da oposição, debateu e levou o texto à votação em apenas 11 dias. O artigo 23, como ficou conhecido, foi aprovado por todos os 89 parlamentares.

No total, 39 artigos foram introduzidos à lei de segurança imposta pelo governo de Xi Jinping em 2020, após as grandes manifestações pró-democracia no território semiautônomo, que o Reino Unido devolveu à China em 1997, após 156 anos de colonização. Foram estipuladas na legislação mais cinco categorias de infrações: traição, insurreição, espionagem, sabotagem à segurança nacional e interferência estrangeira.

"Força externa"

Condenados por espionagem e ataques cibernéticos podem ser punidos com até 20 anos de prisão. A sedição — seja uma palavra, um ato ou uma publicação que incite "ódio, desprezo ou rejeição" às instituições e autoridades chinesas ou de Hong Kong — pode resultar em sete anos de prisão, ou 10 se cometida "em conluio com uma força externa".

Segundo John Lee, a inclusão dos novos dispositivos foi necessária para preencher as lacunas da lei de 2020. Ele destacou que votar a favor da lei foi uma "responsabilidade constitucional" de Hong Kong, assim como exige a Basic Law, a Constituição que rege a ilha desde a devolução a Pequim .

O chefe do Executivo local considera que, com os novos dispositivos, será possível "prevenir com eficácia a violência [...] e as revoluções coloridas", numa referência aos protestos pró-democracia que tiveram início em 2019. Punido por Washington justamente pela gestão dessas manifestações quando era chefe da segurança, Lee descreveu o artigo 23 como um "bloqueio eficaz contra ladrões", em um contexto em que as autoridades querem combater as "ameaças das forças externas e do terrorismo local".

Quando Hong Kong foi devolvido à China, o território teve certas liberdades políticas garantidas, assim como autonomia judicial e legislativa, como parte do acordo Um País, Dois Sistemas. Esse pacto permitiu reforçar o status da cidade como centro financeiro global, graças a um sistema judicial confiável e a liberdades políticas diferentes das do resto da China.

Analistas destacam que o novo texto acaba com uma parte importante das garantias judiciais de Hong Kong, ao ser equiparado à legislação da China continental. Para o jurista Michael Davis, a nova lei terá fortes desdobramentos no território. Segundo ele, marca a transição de "uma ordem constitucional liberal para um regime de segurança nacional repressivo".

 


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