Igreja Católica

Papa Francisco completa 12 anos de um pontificado de futuro incerto

Com a saúde debilitada e hospitalizado em Roma, Francisco levanta dúvidas sobre a capacidade de comandar 1,4 bilhão de fiéis. Vaticanista vê momento de incerteza e guerra civil na Santa Sé, e filósofo não crê em renúncia

O argentino Jorge Bergoglio acena da sacada da Basílica de São Pedro, depois de ser eleito o 266º chefe da Igreja Católica, em 13 de março de 2013  -  (crédito: Vincenzo Pinto/AFP)
O argentino Jorge Bergoglio acena da sacada da Basílica de São Pedro, depois de ser eleito o 266º chefe da Igreja Católica, em 13 de março de 2013 - (crédito: Vincenzo Pinto/AFP)

O alemão Joseph Ratzinger, o Bento XVI, tinha acabado de renunciar ao pontificado. Depois de dois dias de conclave, o argentino Jorge Mario Bergoglio tornava-se o primeiro papa latino-americano, em 13 de março de 2013, e escolhia o nome "Francisco", em homenagem a São Francisco de Assis. Da sacada da Basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, fez um pedido especial aos fiéis: "Antes que o bispo abençoe seu povo, peço que vocês rezem ao Senhor para que Ele me abençoe". Nos 12 anos à frente da Igreja Católica, Francisco combateu a pedofilia, fez acenos à comunidade LGBTQIAPN+, escolheu a freira Simona Brambilla para dirigir o importante Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica e implementou reformas na Santa Sé. Depois de 29 dias de hospitalização e com a saúde fragilizada por uma pneumonia bilateral, o futuro do papado de Francisco está marcado pela dúvida. 

"A Igreja vive um grande momento de incerteza. Ninguém sabe como a saúde do papa estará nos próximos meses. Ele parece melhor, mas a doença pulmonar e a infecção não foram debeladas. Os médicos do Hospital Gemelli (em Roma) pretendem mantê-lo internado até que essas condições estejam controladas. Por várias vezes, Francisco disse que estaria pronto a renunciar, se suas condições físicas não o ajudassem a comandar a Igreja", afirmou ao Correio o biógrafo papal italiano Marco Politi. "Caso algum cardeal ultraconservador pressione Francisco, ele poderá afirmar que sua missão está no Trono de São Pedro. Do ponto de vista racional, o pontífice está pronto para tomar a mesma decisão de Bento XVI."

De acordo com Politi, os últimos dez anos foram marcados por uma "guerra civil subterrânea" dentro da Igreja. "Depois do Sínodo sobre a Família, em 2014 e em 2015, os ultraconservadores nunca aceitaram que Francisco tenha dado permissão para a comunhão dos divorciados e das pessoas casadas novamente. Eles organizaram um grupo de pressão e fizeram forte oposição ao papa. Também lutaram contra o diaconato das mulheres ou a existência de padres casados na Amazônia."

O biógrafo papal crê que isso impediu Francisco de seguir com as reformas. "A comissão que ele criou para debater o diaconato feminino foi dissolvida. Os sinais mais evidentes dessa guerra civil teriam sido emitidos depois do Sínodo dos Bispos da Amazônia", disse Politi. "Dois terços dos eleitores votaram para pedir a Francisco a permissão para que diáconos casados pudessem se tornar padres. Quando o pontífice acenou que tomaria essa decisão, o papa emérito Bento XVI disse que seria impossível a existência de sacerdotes casados. Foi uma intromissão real no pontificado de Francisco."

Ainda segundo Politi, 12 anos depois de Francisco ascender ao Trono de São Pedro, a Igreja encontra-se muito dividida. "Os conservadores se opõem aos reformistas, e muitos bispos estão desorientados, pois pertencem a diversas tendências. Alguns apoiam a comunhão para divorciados, mas são contra a bênção a homossexuais. O próximo conclave será dificílimo."

Luiz Felipe Pondé, filósofo e diretor acadêmico do Laboratório de Política, Comportamento e Mídia da PUC-SP, lembrou ao Correio que a Igreja consegue se manter mesmo com o papa debilitado. "Há a gestão da Igreja, que não é conduzida pelo pontífice, e o papa, uma figura santa para os católicos. Uma coisa não se mistura a outra. Uma renúncia de Francisco poderia criar a sensação de nova ordem no Vaticano, uma jurisprudência capaz de se tornar em movimento de pressão dos cardeais sobre um papa de saúde fragilizada", observou.

EU ACHO...

Marco Politi, biógrafo papal italiano e autor de Francis among the wolves ("Francisco entre os lobos") e de The unfinished ("O inacabado")
Marco Politi, biógrafo papal italiano e autor de Francis among the wolves ("Francisco entre os lobos") e de The unfinished ("O inacabado") (foto: Arquivo pessoal )

"Francisco abriu as janelas e as portas da Igreja para grandes avanços. Houve gestos, palavras e atos de governo. Ele pavimentou caminhos e, agora, é impossível retroceder. Ele decidiu dar a comunhão a divorciados e a pessoas casadas novamente. Também abriu os debates sobre diaconisas e colocou mulheres em posições-chave da Cúria Romana."

Marco Politi, biógrafo papal italiano e autor de Francis among the wolves ("Francisco entre os lobos") e de The unfinished ("O inacabado")

AS PRINCIPAIS AÇÕES DE FRANCISCO

A seguir, as medidas de impacto tomadas pelo jesuíta argentino desde sua eleição:

Luta contra a pedofilia

A multiplicação dos escândalos de agressões sexuais contra menores dentro da Igreja tem sido um de seus desafios mais difíceis. Em 2019, uma cúpula sobre a proteção de menores, no Vaticano, levou a medidas concretas, como a eliminação do segredo pontifício sobre os crimes, a obrigatoriedade para religiosos e leigos de denunciar casos à hierarquia e a criação de plataformas de escuta em dioceses.

Prioridade para "periferias"

Em suas 47 viagens ao exterior, priorizou a visita às "periferias" do mundo, especialmente em países marginalizados do Leste Europeu, América Latina e África. O primeiro papa latino-americano é um grande defensor do multilateralismo e se abre ao diálogo com todas as religiões.

Comunidade LGBTQIAPN+

Francisco defende uma Igreja aberta a "todos" e tem multiplicado os gestos em favor de divorciados recasados e fiéis LGBTQIAPN+. No fim de 2023, autorizou a bênção de casais do mesmo sexo, decisão rejeitada por setores conservadores da África e dos EUA.

Reformas

Francisco buscou implementar uma reforma profunda da Cúria Romana para fortalecer o processo de escuta das igrejas locais e dar mais espaço aos leigos e às mulheres. Também renovou o obscuro setor das finanças do Vaticano.

Com direito a bolo e velas

Jorge Bergoglio celebrou com um bolo seus 12 anos como papa Francisco no hospital onde está internado há quase quatro semanas. A "pequena festa" foi organizada pelos médicos e enfermeiros do hospital Gemelli, em um sinal de sua melhora, segundo o escritório de imprensa do Vaticano. "A equipe de saúde que o acompanha nestes dias decidiu comemorar com um bolo e velas", acrescentou a fonte, sem dar mais detalhes. Durante o dia, o "Santo Padre" dos católicos seguiu com o tratamento e a fisioterapia, além de rezar e acompanhar à distância os exercícios espirituais realizados no Vaticano para a Quaresma.

 

Rodrigo Craveiro
postado em 14/03/2025 06:00
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