
Menos de uma semana depois de ter sido condenada a seis anos de prisão e a inelegibilidade perpétua por um esquema de corrupção envolvendo 51 licitações de obras rodoviárias, a ex-presidente da Argentina Cristina Kirchner levou nesta quarta-feira (18) milhares de seguidores às ruas de Buenos Aires. Nem a baixa temperatura afastou os apoiadores que levavam cartazes, pediam pela liberdade da líder e se recusavam a ter outro nome como referência de oposição ao governo de Javier Milei. Em um discurso gravado de 8 minutos, a ex-presidente retribuiu: "Vamos voltar com mais sabedoria".
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"O verdadeiro poder econômico sabe que esse modelo não tem futuro, sabe que cai, e é por isso que estou presa", afirmou a ex-presidente — duas no poder (2007-2015) e uma como vice-presidente (2019-2023) — , ignorando as denúncias contra si. O discurso gravado foi exibido para a multidão que aplaudiu e emocionou-se. Os manifestantes carregavam bandeiras argentinas, de sindicatos, organizações sociais e estudantis, além de cartazes com frases, do tipo "a Pátria não se vende" e "Cristina não se troca".
Cristina acompanhou o movimento de dentro do apartamento, em um bairro próximo às principais avenidas tomadas pela marcha. Lá, ela cumpre prisão domiciliar e usa tornozeleira eletrônica. A concentração da manifestação foi na emblemática Praça de Maio em frente à Casa Rosada, e dali os seguidores partiram para outras ruas. O protesto ganhou o nome de "Argentina com Cristina" em meio a cânticos peronistas e tambores. O número estimado pelos simpatizantes foi de cerca de meio milhão de pessoas.
Fidelidade
A polícia montou barreiras nas rotas de acesso a Buenos Aires, aplicando um protocolo inédito: revistar pessoas e veículos sem ordem judicial. O novo protocolo, imposto por decreto às vésperas da marcha, permite deter qualquer cidadão para identificação por até dez horas sem a intervenção de um juiz. Líderes sindicais denunciaram que ônibus foram revistados várias vezes, em diferentes bloqueios, ao longo das vias que levam à capital argentina. "É uma intimidação que não faz sentido", disse à Rádio El Destape Daniel Catalano, dirigente do sindicato dos funcionários públicos. "O Estado de Direito? Bem, obrigado", ironizou.
O porta-voz da Presidência, Manuel Adorni, justificou a operação. "Quando você detecta que pode haver algum perigo adicional para a sociedade, tenta neutralizá-lo. E isso não vai contra nem a Constituição nem o estado de Direito", afirmou, em coletiva de imprensa. O chefe de Gabinete, Guillermo Francos, minimizou as críticas. "Vai haver medidas de segurança para evitar qualquer tentativa de violência, o que me parece absolutamente normal", disse à Rádio Mitre.
A cientista política Lara Goyburu, da Universidade de Buenos Aires, reiterou que essa manifestação se limita ao peronismo e, não a outros grupos críticos ao atual governo. "A marcha de hoje demonstra alguma capacidade de mobilização de rua que o peronismo ampliado ainda conserva. O que não vemos nesta marcha (...) é a transversalidade que foi vista em outras ocasiões, como a marcha universitária", analisou. Porém, integrantes de vários segmentos da esquerda se fizeram presentes.
Além do movimento La Cámpora, que lidera os apoiadores do peronismo e, portanto, de Cristina Kirchner, simpatizantes de várias correntes antagônicas ao governo Milei também participaram ontem da marcha. "Viemos porque é um atentado à democracia banir uma pessoa como Cristina, em quem o povo quer votar", afirmou à AFP Rocío Gaviño, uma funcionária pública de 29 anos.Para o aposentado Juan Peracibe, 70, que viajou 350 km para participar da manifestação, a condenação provocou a reação do peronismo "Acredito que o que fizeram foi justamente despertar o leão", disse à AFP.
Quatro perguntas para Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA)
O que se passa hoje na Argentina após a condenação de Cristina Kirchner?
A prisão de Cristina Fernández de Kirchner (CFK) tem dois efeitos imediatos, primeiro porque fortalece sua liderança dentro do peronismo, adiando qualquer iniciativa de renovação. Depois, unifica o peronismo para as eleições legislativas de outubro de 2025.
Qual o significado dessa marcha por Buenos Aires?
A marcha é um bom exemplo dos setores que apoiam Cristina Fernádez Kirchner (CFK), que também representa aqueles que, embora tradicionalmente peronistas, não reagiram como era comum no passado, como a CGT.
Na sua avaliação, muda o peronismo ou Cristina segue como grande líder?
A liderança de Cristina Kirchner estava em declínio. Mas sua prisão ampliou temporariamente seu poder dentro do peronismo e bloqueou uma mudança geracional, pelo menos imediatamente.
O governo Jaiver Milei fica enfraquecido com esse tipo de movimento?
Os efeitos sobre o governo de Milei não são claros. Cristina era uma boa candidata para Milei.
Mas, ao mesmo tempo, há dois outros fatores que abrem caminho: o controle de Cristina sobre o peronismo e uma provável crise econômica — que ainda não é aparente.
Armas liberadas
Em decreto publicado ontem, o presidente Javier Milei autoriza que civis comprem armas semiautomáticas e de assalto. Segundo texto, são "usuários legítimos". A medida esclarece os tipos permitidos: "armas semiautomáticas, equipadas com carregadores removíveis semelhantes a fuzis, carabinas ou submetralhadoras de assalto derivadas de armas de uso militar com calibre superior a 22". Também foi simplificada a emissão de autorizações para a "posse express", um processo que visa "facilitar e agilizar a aquisição de armas de fogo", conforme anunciado pelo governo.
A ordem revoga a proibição, que vigorava desde 1995, quando a compra e o uso desse tipo de armamento foram restritos à esfera militar. O decreto foi assinado por Milei, pelo chefe de Gabinete, Guillermo Francos, e pela ministra da Segurança, Patricia Bullrich.De acordo com o Centro de Estudos Legais e Sociais, em 2022, um em cada dois homicídios dolosos foi cometido com arma de fogo.
Em 2024, em outro decreto, Milei reduziu a idade mínima para a posse legítima de armas de fogo de 21 para 18 anos.O argumento utilizado foi que, aos 16 anos, a pessoa é considerada capaz para votar, aos 18, para se alistar nas Forças Armadas, então, por que não comprar e manusear armanentos com essa idade? A ministra da Segurança, Patricia Bullrich, liderou o movimento pelas mudanças na época.
Bullrich é uma defensora do porte livre de armas, enquanto o presidente Milei, embora tenha expressado seu apoio à medida quando era deputado federal antes de se tornar presidente, afirmou posteriormente que uma reforma nesse sentido não fazia parte de sua plataforma.Na Argentina, com 45 milhões de habitantes, quase 1 milhão de pessoas — a maioria homens — possuem licenças de usuário de armas de fogo, embora mais de 65% estejam vencidas, segundo uma investigação realizada em maio pela plataforma de verificação de dados Chequeado, com base em pedidos de acesso à informação.
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