
Em meio a um cessar-fogo frágil, violado momentaneamente nas primeiras horas por ambos os lados e marcado por acusações, os governos do Irã e de Israel reclamaram vitória na guerra de 12 dias. Em pronunciamento transmitido pela televisão, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, anunciou: "Nós alcançamos um triunfo histórico". "Essa vitória será lembrada por gerações. Nós removemos duas ameaças existenciais imediatas — a da aniquilação nuclear e a da aniquilação por 20 mil mísseis balísticos", afirmou.
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Netanyahu acrescentou que os soldados "torpedearam o programa nuclear iraniano" e que Israel "desferiu golpes esmagadores no regime maligno". Com a trégua, o chefe do Estado-Maior de Israel, Eyal Zamir, avisou que o foco das Forças de Defesa de Israel (IDF) volta-se para a Faixa de Gaza, com os objetivos de resgatar os cidadãos sequestrados em 7 de outubro de 2023 e "desmantelar o domínio do Hamas".
Por sua vez, o presidente iraniano, Masud Pezeshkian, declarou o fim do conflito. "Hoje, após a heroica resistência de nossa grande nação (...), assistimos ao estabelecimento de uma trégua e ao fim desta guerra de 12 dias imposta por Israel", disse. Ele assegurou que está "disposto a resolver os problemas (...) na mesa de negociações com os Estados Unidos.
As horas que antecederam o início do cessar-fogo envolveram ataques de ambos os lados. O Irã disparou uma salva de mísseis contra a cidade de Beersheba, no sul de Israel, matando quatro pessoas. As IDF também lançaram bombas em Teerã. Ante o risco de a tensão aumentar e frustrar o acordo de pausa nos combates, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, criticou os dois países. "Basicamente, temos dois países que lutam há tanto tempo com tanta força que não sabem a p... que estão fazendo", afirmou na Casa Branca, antes de embarcar para a cúpula da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), em Haia, na Holanda.
O presidente americano também repreendeu Israel, aliado incondicional, por duas vezes. "Israel, não lancem estas bombas. Se fizerem, é uma grave violação. Tragam seus pilotos para casa, agora!", escreveu na rede Truth Social.
Depois, Trump telefonou para Netanyahu, que permaneceu grande parte do tempo calado, escutando. Segundo o jornal The Jerusalem Post, os dois tiveram uma conversa "dura e tensa". "Pare com o ataque!", teria afirmado o americano, ao levantar a voz para o premiê, que se ateve a agradecer pelo ataque à usina nuclear de Fordow, na madrugada de domingo (22/6). Trump também disse ao israelense que "não estava feliz" com a violação do cessar-fogo. Pelo plano mediado pelo Catar e anunciado por Trump, a guerra seria declarada encerrada à 1h desta quarta-feira (hora de Brasília). Até a noite desta terça-feira, não havia denúncias de novas violações.
Diretor do Projeto Irã do think thank International Crisis Group (em Bruxelas), Ali Vaez avalia que o regime iraniano "ficou gravemente ferido, mas também conseguiu manter-se de pé". "Ele provavelmente interpretará a própria sobrevivência como um sucesso", afirmou ao Correio. Para Vaez, uma das questões imediatas é a clareza sobre a situação exata do programa nuclear iraniano. "A degradação das instalações e a perda de pessoal representam um grande retrocesso, mas também aumentam os riscos de maior opacidade em suas atividades", alertou.
De acordo com Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, para evitar a queda do regime e um confronto total com os EUA, o Irã notificou Washington sobre sua intenção de atacar a base militar americana de Al Udeid. "Foi uma forma de garantir que não houvesse baixas. Trump aceitou a manobra tática iraniana, sabendo que os aiatolás precisavam salvar a própria pele. Ele realmente agradeceu aos iranianos por evitarem a morte de qualquer soldado americano. Também minimizou o ataque ao Irã, ao afirmar que a luta tinha terminado", explicou à reportagem.
Palestinos
A declaração de Eyal Zamir de que Israel voltará o foco para a Faixa de Gaza revoltou palestinos. Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e um dos potenciais sucessores do presidente Mahmud Abbas, acusou Netanyahu de pretender "escalar o seu terrível genocídio". "Ele quer retomar o plano original de limpeza étnica dos palestinos. É um momento muito perigoso. O Exército israelense comete crimes diariamente", desabafou ao Correio. "Mais de 560 pessoas foram assassinadas ao tentarem obter comida, 86 ontem. É uma política horrível. Netanyahu não seria capaz de continuar com o genocídio se não houvesse o silêncio de tantos governos."
EU ACHO...
"Se o cessar-fogo se mantiver, poderá ser um ponto de virada para a retomada das negociações entre EUA e Irã. Mas a questão-chave aqui é se o governo iraniano suavizará ou endurecerá suas linhas vermelhas, apesar dos reveses sofridos. Isso determinará se o cessar-fogo será um adiamento temporário ou se poderá ser alavancado para uma solução mais sustentável."
Ali Vaez, diretor do Projeto Irã do think thank International Crisis Group (em Bruxelas)
"Ficou claro, desde o início, que, depois do ataque americano às instalações nucleares iranianas, o Irã teria que retaliar de uma forma ou de outra. Dito isso, o Irã não queria uma guerra total com os Estados Unidos, porque seria devastadora e poderia precipitar uma mudança de regime, o que Teerã pretende evitar a qualquer custo."
Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York
DEPOIMENTO
"Sepultamos crianças nos becos"
"As atrocidades cometidas pelos israelenses são ininterruptas. Os civis não estão seguros, onde quer que vão. Tendas são bombardeadas diariamente. Quase 2 milhões de habitantes de Gaza são forçados a permanecerem em áreas superpopulosas devido às ordens de evacuação.
Milhares de pessoas vagam pelas ruas tentando encontrar comida para sobreviver à fome forçada. A população de Gaza agora tenta sobreviver aos bombardeios, aos deslocamentos, à fome e às doenças — diagnosticadas e não diagnosticadas— que se agravaram devido às condições horríveis em que vivem há mais de um ano e meio.
Chegamos ao ponto em que enterramos os mortos nas ruas. Sepultamos crianças em becos.Pela primeira vez, vi um míssil de reconhecimento despedaçar 30 pessoas. Pela primeira vez, vi um projétil despedaçando pessoas na rua. Nós nos tornamos nada mais do que números. Ninguém se importa conosco. Estou incrivelmente cansado desta guerra. Estou exausto."
Abood Abusalama, 28 anos, repórter fotográfico palestino, morador do campo de refugiados de Jabalia, no norte da Faixa de Gaza