Tensão no Oriente Médio

Massacres em meio à pressão por cessar-fogo na Faixa de Gaza

Israel bombardeia cafeteria popular da Cidade de Gaza, situada na praia, e mata 30 pessoas. Sobrevivente conta ao Correio o que viu. Em centro de distribuição de ajuda, disparos deixam 22 mortos. Netanyahu se reúne com Trump em 7 de julho

Um palestino inspeciona os danos à cafeteria Al-Baqa, destruída pelo ataque de Israel, na Cidade de Gaza  -  (crédito: Omar Al-Qattaa/AFP)
Um palestino inspeciona os danos à cafeteria Al-Baqa, destruída pelo ataque de Israel, na Cidade de Gaza - (crédito: Omar Al-Qattaa/AFP)

O repórter fotográfico Ibrahim Abu Ghazaleh, 27 anos, estava sentado à mesa com os amigos jornalistas Ismail Abu Hatab e Bayan Abusultan. O Café Al-Baqa, tradicional ponto de encontro da imprensa e de estudantes, na praia da Cidade de Gaza, estava lotado. "Crianças brincavam, adultos conversavam e gastavam raros momentos de felicidade ali ou aproveitavam o sinal de internet para usar o celular e enviar fotos", afirmou Ghazaleh ao Correio. Às 15h pelo horário local (9h em Brasília), ele finalizou a edição das imagens e avisou os colegas que compraria comida perto dali. "Pegue um pouco mais — não comi nada desde ontem (domingo) à noite", escutou de Abu Hatab. Foram as últimas palavras do colega.

"Assim que saí do Al-Baqa e caminhei por uma curta distância, a cafeteria foi atingida por um míssil. Todos os que estavam na parte interna foram alvejados. Se eu não tivesse saído para comprar comida, teria sido martirizado com meu amigo Ismail Abu Hatab", relatou. Pelo menos 30 pessoas morreram, incluindo Ismail Abu Hatab; Bayan sofreu ferimentos no ombro direito. Em outro massacre, o ataque a um centro de distribuição de ajuda no bairro de Al-Zeitoun, na parte oeste da Cidade de Gaza, matou 22. Ao todo, 85 pessoas foram mortas, somente ontem, segundo a rede de TV Al-Jazeera. 

O corpo do jornalista Ismail Abu Hatab: ele e amigos frequentavam o estabelecimento quase que diariamente
O corpo do jornalista Ismail Abu Hatab: ele e amigos frequentavam o estabelecimento quase que diariamente (foto: Omar Al-Qattaa/AFP)

Ghazaleh descreve o que testemunhou no Café Al-Baqa. "Vi pessoas gritando e pedindo para serem salvas. Vi pedaços de corpos voando. Eram crianças, mulheres, partes de corpos espalhados por todos os locais. Estive, literalmente, entre a vida e a morte", disse. "Ismail no chão, sem vida, diante de mim. Bayan ferida e indefesa. Tive que carregá-la para outro lugar até ela ser levada ao hospital. Ismail era uma boa pessoa, gostava de servir ao povo e era ativo no trabalho jornalístico. Não era apenas um amigo, mas um irmão e meu colega no jornalismo. Hoje, ele me deixou." De acordo com Ghazaleh, graças ao deslocamento forçado de moradores do norte de Gaza, a Cidade de Gaza está superpovoada.  

Visita aos EUA

Sob pressão interna e dos Estados Unidos para firmar um cessar-fogo com o grupo terrorista Hamas e acelerar a libertação dos 50 reféns israelenses, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu deve viajar a Washington para se reunir com o presidente Donald Trump, na Casa Branca, na próxima segunda-feira (7/7). Nesta semana, Ron Dermer, ministro de Relações Estratégicas de Israel, Ron Dermer, visita a capital americana "para se encontrar com altos funcionários na Casa Branca", informou Karoline Leavitt Leavitt, porta-voz da Presidência dos EUA. Leavitt garantiu que "pôr fim à esta guerra brutal em Gaza" é "uma prioridade" de Trump. 

Criança palestina desnutrida é examinada em hospital do campo de refugiados de Nuseirat
Criança palestina desnutrida é examinada em hospital do campo de refugiados de Nuseirat (foto: Eyad Baba/AFP)

O chefe do Estado-Maior de Israel, Eyal Zamir, advertiu que a intensificação da operação militar na Faixa de Gaza poderia colocar em risco os sequestrados, ao denunciar abusos físicos cometidos pelo Hamas e classificar a situação dos civis em cativeiro como "muito grave". Na sexta-feira (27/6), Trump estimou que um acordo de trégua poderia ser anunciado nesta semana. Dois dias depois, subiu o tom com Netanyahu e escreveu, com letras maiúsculas, em seu perfil na plataforma Truth Social: "Faça o acordo em Gaza, traga os reféns de volta". 

Na contramão, um alto oficial das Forças de Defesa de Israel (IDF) defendeu a continuidade da campanha militar em Gaza e enfatizou que "seria um erro parar agora". Citado pelo jornal israelense Yediot Aronoth, ele afirmou que os combates no território ocupado palestino se intensificaram e conseguiram eliminar operativos da Hamas, destruir a infraestrutura terrorista do grupo e recuperar corpos de três reféns para serem sepultados em Israel. 

O estudante de psicologia israelense Gil Dickman, 33 anos, teve quatro familiares sequestrados durante o massacre de 7 de outubro de 2023 — um foi libertado; e dois, executados pelo Hamas. "Eu acredito que as IDF não têm mais nada a fazer em Gaza", disse ao Correio, por telefone, de Tel Aviv. "Eyal Zamir declarou isso. Creio que os povos de Israel e de Gaza têm uma chance atual para levar adiante um cessar-fogo que traga de volta os reféns e interrompa o sofrimento, a fome e a morte de inocentes de ambos os lados da fronteira."

EU ACHO...

Ibrahim Abu Ghazaleh, 27 anos, repórter fotográfico, sobrevivente do ataque ao Café Al-Baqa
Ibrahim Abu Ghazaleh, 27 anos, repórter fotográfico, sobrevivente do ataque ao Café Al-Baqa (foto: Arquivo pessoal )

"Israel intensifica os bombardeios a pessoas inocentes, na Cidade de Gaza e no norte do território, para colocar pressão sobre o Hamas. A ocupação sempre parece alvejar, de forma deliberada, crianças, civis e pessoas inocentes, com ataques direito. Não posso compreender: que danos as crianças fizeram a eles? O que idosos ou civis fizeram para justificar serem bombardeados tão brutalmente? A vida aqui é a pior possível. "

Ibrahim Abu Ghazaleh, 27 anos, repórter fotográfico, sobrevivente do ataque ao Café Al-Baqa

Gil Dickmann, 32 anos, estudante de psicologia, morador de Tel Aviv. Quatro familiares foram sequestrados pelo Hamas. Dois, executados; e dois libertados.
Gil Dickmann, 32 anos, estudante de psicologia, morador de Tel Aviv. Quatro familiares foram sequestrados pelo Hamas. Dois, executados; e dois libertados. (foto: Arquivo pessoal )

"O Hamas e Benjamin Netanyahu podem escolher o que é bom para seus próprios povos, de uma vez por todas. Trump pode fazer com que isso ocorra. As vítimas de ambos os lados não perdoarão jamais o Hamas e Netanyahu, caso eles percam essa oportunidade de ouro para uma trégua."

Gil Dickman, 33 anos, estudante de psicologia, morador de Tel Aviv. A tia Kinneret foi assassinada em 7 de outubro; a enteada dela, Yarden, foi solta depois de 54 dias no cativeiro. Carmel, filha de Kinneret,  acabou executada em Gaza, depois de 328 dias como refém

"Não estou oferecendo nada ao Irã"

A resposta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao vice-ministro das Relações Exteriores iraniano, Majid Takht-Ravanchi, foi direta e rápida. No domingo, o número dois da chancelaria de Teerã disse à emissora BBC que as negociações com Washington não podem ser retomadas, a manos que os EUA descartem novos ataques. "Não estou oferecendo nada ao Irã, ao contrário de (Barack) Obama, que pagou bilhões de dólares a eles" pelo acordo de 2015, escreveu Trump em sua plataforma Truth Social. "Também não estou nem falando com eles, já que destruímos totalmente suas instalações nucleares", insistiu o presidente. 

Na sexta-feira, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) advertiu que o Irã pode voltar a enriquecer urânio em "questão de meses". "Els podem ter ter, sabe, eu diria que em questão de meses, algumas etapas de centrífugas girando e produzindo urânio enriquecido, ou menos que isso", disse Rafael Grossi, chefe da AIEA, à emissora CBS News. 

Em entrevista ao Correio, Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano e especialista em Oriente Médio pela Universidade de Harvard, disse que a recente recusa do Irã em permitir inspeções da ONU em suas instalações nucleares, somada à sua declaração de que busca interesses nacionais, é "profundamente alarmante" e "deve ser vista como uma ameaça significativa à segurança global". "Essa medida indica um claro desrespeito às normas internacionais e um potencial passo em direção ao armamento nuclear", alertou.

Segundo Rafizadeh, a AIEA informou que o Irã acumulou mais de 400kg de urânio enriquecido a 60% de pureza, um nível perigosamente próximo ao de grau bélico. "Esse estoque é suficiente para produzir múltiplas armas nucleares se for enriquecido a 90%. As ações do Irã, incluindo a instalação de centrífugas avançadas e a aceleração do enriquecimento de urânio, sugerem uma estratégia deliberada para atingir a capacidade de produzir armas nucleares", observou. 

O estudioso de Harvard entende que a suspensão de cooperação com a AIEA e a recusa de inspeções prejudicam a capacidade da comunidade internacional de monitorar as atividades nucleares do Irã. "Essa falta de transparência levanta sérias preocupações sobre as intenções do Irã", afirmou. Rafizadeh considera imperativo que a comunidade internacional responda de forma decisiva. "Isso inclui a reimposição de sanções rigorosas, o aumento da pressão diplomática e a consideração de todas as opções para impedir que o Irã adquira armas nucleares. A estabilidade do Oriente Médio e a segurança dos aliados globais dependem de impedir que o Irã se torne um Estado com armas nucleares", acrescentou. (RC)

  • O corpo de Ismail Abu Hatab: jornalista era frequentador assíduo
    O corpo do jornalista Ismail Abu Hatab: ele e amigos frequentavam o estabelecimento quase que diariamente Foto: Omar Al-Qattaa/AFP
  • Criança palestina desnutrida é examinada em hospital do campo de refugiados de Nuseirat
    Criança palestina desnutrida é examinada em hospital do campo de refugiados de Nuseirat Foto: Eyad Baba/AFP
  • Ibrahim Abu Ghazaleh, 27 anos, repórter fotográfico, sobrevivente do ataque ao Café Al-Baqa
    Ibrahim Abu Ghazaleh, 27 anos, repórter fotográfico, sobrevivente do ataque ao Café Al-Baqa Foto: Arquivo pessoal
  • Gil Dickmann, 32 anos, estudante de psicologia, morador de Tel Aviv. Quatro familiares foram sequestrados pelo Hamas. Dois, executados; e dois libertados.
    Gil Dickmann, 32 anos, estudante de psicologia, morador de Tel Aviv. Quatro familiares foram sequestrados pelo Hamas. Dois, executados; e dois libertados. Foto: Arquivo pessoal
postado em 01/07/2025 05:50
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