Oriente Médio

Israel ataca por terra no centro de Gaza e fome segue matando

Exército israelense realiza bombardeios e a primeira incursão em Deir el Balah, cidade no centro da Faixa de Gaza até então considerada um dos poucos locais poupados pela devastação. Em comunicado conjunto, 25 países exigem fim da guerra

Palestinos dividem espaço sobre triciclo, enquanto fogem de área bombardeada em Deir el Balah  -  (crédito: Eyad Baba/AFP)
Palestinos dividem espaço sobre triciclo, enquanto fogem de área bombardeada em Deir el Balah - (crédito: Eyad Baba/AFP)

A família do repórter fotográfico Mohammed Hiesham Salem, 29 anos, precisou tomar uma atitude drástica para sobreviver, depois de 654 dias de guerra e de um bloqueio quase completo imposto por Israel à Faixa de Gaza. "Desde domingo (20/7), meus parentes começaram a tomar água e sal, como uma alternativa à comida", contou ao Correio. "A fome mata todo mundo. Minha família está sem comida há uma semana. Eu aceito que Israel mate meu povo e que as pessoas morram como mártires. Mas não posso aceitar a ideia de minha família morrer de fome." Somente no fim de semana, 18 palestinos não resistiram à fome, segundo o Ministério da Saúde da Faixa de Gaza, controlado pelo movimento islamita Hamas. Na segunda-feira (21), as Forças de Defesa de Israel lançaram a primeira ofensiva terrestre contra Deir el Balah, cidade no centro do território ocupado que permanecia praticamente incólume aos bombardeios. No mesmo dia, 25 países — incluindo Reino Unido, França, Canadá e Japão — divulgaram comunicado conjunto em que exigem o fim da guerra. 

"Nós (...) nos reunimos para enviar uma mensagem simples e urgente: a guerra em Gaza deve cessar imediatamente", escrevem os signatários, que consideram que "o sofrimento dos civis em Gaza atingiu novos níveis". O documento também qualifica como "perigoso" o modelo de distribuição de ajuda humanitária implementado por Israel e cita que ele "alimenta a instabilidade e priva os habitantes de Gaza de sua dignidade humana".

Moradora de Deir el Balah, Huda Al Assar — uma professora palestina de 57 anos que morou por 15 no Brasil — contou ao Correio que, na manhã de domingo, grande parte da população recebeu uma ordem de retirada. "Foram duas ligações, em que diziam que eu deveria sair da minha área ante uma operação militar capaz de me colocar em perigo", disse. "Tive que preparar meus netos, meus dois filhos e minha nora, arrumar roupas, baldes para enchermos de água e tudo o mais o que levaríamos conosco. Hoje (segunda-feira) pela manhã, deixamos a nossa casa em direção à residência de parentes, em uma cidade próxima. Não havia meio de transporte para nos levar. Eu fiquei apavorada! Vi tanta gente com os pertences no chão, esperando um carro. Quando perguntava às pessoas onde estavam indo, respondiam: 'Não sei'. É uma tristeza, você chora... As pessoas estão com fome e sede", acrescentou. 

Huda admitiu que ela e familiares passam por enormes dificuldades. "Para vocês terem ideia, um quilo de farinha, suficiente para fazer dez pães, custa o equivalente a mais de 150 reais", comentou. "Não temos mais nada aqui. Nem biscoito, nem carne, nem frutas, nada. A gente tem comprado um quilo e distribuído um pão para cada criança, e ele tem que ser consumido o dia inteiro." 

Por sua vez, o fotógrafo Ahmed Hussein Younis disse ao Correio que a situação em Deir el Balah, onde também mora, é "muito tensa". "O Exército israelense tem feito avanços nas áreas do sul da cidade e alcançaram também a região central. Um depósito de produtos médicos foi incendiado. Testemunhei algumas explosões, e amigos viram tanques de guerra." 

Porta-voz do Escritório de Coordenação de Assuntos Humanitários da Organização das Nações Unidas (OCHA) em Genebra, Jens Laerke entende que a ordem de deslocamento forçado para moradores de quatro bairros de Deir el Balah "desferiu mais um golpe devastador nas frágeis linhas que mantêm as pessoas vivas em toda a Faixa de Gaza". "Essa ordem atravessa Deir el Balah até o Mar Mediterrâneo, fragmentando ainda mais o território e empurrando as pessoas para áreas superlotadas e inseguras, sem abrigo ou suprimentos essenciais", declarou ao Correio. Estimativas indicam que entre 50 mil e 80 mil pessoas estavam na área no momento em que a ordem foi emitida, incluindo 30 mil abrigadas em 57 locais diferentes. "Diversas clínicas de saúde primárias e postos médicos estavam dentro da área recém-designada, assim como a usina de dessalinização de Gaza e outras infraestruturas hídricas vitais. A usina é a principal fonte de água potável para os deslocados internamente na região de Al Mawasi, atendendo a centenas de milhares de palestinos. A perda dessa instalação seria catastrófica", advertiu. 

Desnutrição

Laerke também disse que continua a receber "relatos profundamente preocupantes de pessoas gravemente desnutridas". "Elas chegam aos postos médicos e hospitais com a saúde extremamente debilitada. No domingo, o Ministério da Saúde de Gaza informou que mais de uma dúzia de pessoas, incluindo crianças. teriam morrido de fome em um intervalo de 24 horas. Também no domingo, um comboio do Programa Mundial de Alimentos da ONU (PMA) transportando assistência alimentar vital cruzou de Israel para Gaza e encontrou grandes multidões de civis desesperados e famintos", relatou Laerke. Segundo ele, quando o comboio se aproximou, os civis foram alvos de tanques israelenses e franco-atiradores. "Essas pessoas estavam simplesmente tentando ter acesso à comida para se alimentarem, enquanto estão à beira da morte pela fome."

EU ACHO...

Ajith Sunghay, chefe do Escritório de Direitos Humanos da ONU nos Territórios Palestinos Ocupados
Ajith Sunghay, chefe do Escritório de Direitos Humanos da ONU nos Territórios Palestinos Ocupados (foto: Arquivo pessoal )

"Deir el Balah está entre os pouquíssimos locais que ainda possuem prédios de pé. Também é um lugar onde muitos palestinos, provenientes de Beit Hanoun e Beit Lahia (norte), buscaram abrigo. Entidades humanitárias ali se estabeleceram e montaram dormitórios, clínicas e armazéns. Prédios estão sendo destruídos e a a infraestrutura, devastada. Caixas d'água têm sido atingidas, e as pessoas são forçadas a se mudar novamente."

Ajith Sunghay, chefe do Escritório de Direitos Humanos da ONU nosTerritórios Palestinos Ocupados

 

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postado em 22/07/2025 05:50
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