
Apesar da discordância do general Eyal Zamir, chefe do Estado-Maior de Israel, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu está determinado em levar adiante o plano de ocupar totalmente a Faixa de Gaza. "Nós queremos encerrar a guerra muito em breve. Ela terminará rapidamente. Se o Hamas render-se, depor armas e libertar os reféns, ela estará acabada amanhã. Até os palestinos em Gaza estão lutando contra o Hamas", declarou Netanyahu, pouco antes da reunião com o gabinete de segurança que comandou, na noite desta quinta-feira (7/8), na qual foram discutidos detalhes da estratégia.
O premiê antecipou os principais pontos do plano: as Forças de Defesa de Israel (IDF) conquistariam miilitarmente o território palestino, cercariam a Cidade de Gaza e removeriam 1 milhão de moradores para o sul do enclave. Depois de "destruir" o movimento fundamentalista islâmico Hamas e de resgatar os 22 reféns, Israel repassaria o controle da Faixa de Gaza a um governo transitório formado por árabes e sem a participação da Autoridade Palestina ou de lideranças do Hamas. "Temos a intenção", respondeu Netanyahu quando perguntado pela emissora Fox News se Israel tomaria o controle de "toda Gaza", um território de 365 quilômetros quadrados, onde vivem cerca de dois milhões de palestinos.
O israelense também descartou o desejo de governar a Faixa de Gaza, como o Estado judeu fez entre 1967 e 2005. "Bem, não queremos mantê-la. Queremos ter um perímetro de segurança. Não queremos governá-la", declarou Netanyahu. "Queremos entregá-la a forças árabes que governem adequadamente sem nos ameaçar e oferecendo aos habitantes de Gaza uma boa vida. Isso não é possível com o Hamas."
Risco
Por meio de nota, o Hamas — que governa a Faixa de Gaza — acusou Netanyahu de sacrificar os civis sequestrados durante o massacre de 7 de outubro de 2023. "Os planos de Netanyahu para escalar a agressão confirmam, sem sombra de dúvida, seu desejo de se livrar dos cativos e sacrificá-los em prol de seus interesses pessoais e de sua agenda ideológica extremista", advertiu a facção. Familiares de reféns protestaram do lado de fora do complexo governamental onde funciona o gabinete de Netanyahu e pediram garantias de segurança. Eles temem pela vida dos sequestrados. Em outra frente, outros integrantes de famílias dos reféns embarcaram no porto de Ashkelon com a intenção de se aproximar "o máximo possível" de seus entes queridos na Faixa de Gaza.
Aaron David Miller, especialista em Oriente Médio do Woodrow Wilson International Center (em Washington), afirmou ao Correio que o plano de captura de Gaza representa "riscos consideráveis" para o premiê israelense. "A tendência é de um aumento nas baixas de Israel. No entanto, o fato é que Netanyahu conta com a aquiescência de Trump. Isso lhe dá uma margem de manobra em Gaza para intensificar a pressão sobre o Hamas e expandir as operações da Fundação Humanitária de Gaza (GHF)", explicou. "A questão é saber se Israel conseguirá romper o controle civil do Hamas. O grupo somente detém o domínio de 25% do território da Faixa de Gaza."
Para Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor do presidente Mahmud Abbas, o anúncio de Netanyahu sobre Gaza comprova que o governo israelense "mente sobre vários pontos". "O objetivo de Israel não era resgatar os reféns, cujas vidas agora estarão em risco. Também não era chegar a nenhum acordo que levasse a um cessar-fogo. Desde o início, a meta de Netanyahu era cometer o genocídio, a fome e a limpeza étnica completa de toda a população da Faixa de Gaza", disse ao Correio. "O objetivo, paralelamente, era anexar e judaizar toda a Cisjordânia e a Faixa de Gaza e continua sendo a eliminação da presença palestina em terras palestinas."
Morador do enclave palestino, o fotógrafo Abood AbuSalama, 28 anos, relatou ao Correio que muitos consideram o plano de Netanyahu um desastre humanitário. "A Cidade de Gaza abriga mais de 1 milhão de pessoas deslocadas internamente, as quais vivem em condições catastróficas. O governo de Israel é acusado de usar o pretexto de 'eliminar o Hamas' para justificar as incursões terrestres, que têm resultado em massacres contra civis nas áreas de Shuja'iyya, Khan Yunis e outras", afirmou.
Segundo AbuSalama, analistas entendem que o Hamas sofreu perdeu parte importante de sua infraestrutura militar nos 671 dias de guerra. "No entanto, não se trata de um exército convencional, e isso desperta sérias dúvidas sobre a justificativa para uma campanha militar tão demorada. Há um alarme crescente de que o plano para controlar Gaza possa sinalizar nova fase de atrocidades contra civis, no momento em que o território enfrenta uma catástrofe humanitária sem precedentes."
DEPOIMENTO
"É um genocídio lento"
"O que está acontecendo em Gaza não é apenas um plano para derrotar o Hamas — seja militar, seja politicamente. Ficou claro que Israel, e especificamente Netahyahu, está caminhando rumo a uma direção muito mais perigosa. Mais de 2,5 milhões de palestinos estão presos em menos de 20% do território de Gaza, vivendo em condoções que nem mesmo se pode chamar de vida. Não há comida, nem água, eletricidade ou medicamentos. Pessoas estão literalmente esperando para morrer. Não porque escolhem, mas porque não há outra opção.
O que estamos testemunhando não é apenas uma batalha contra o Hamas ou a Jihad Islâmica. É claramente uma punição coletiva, uma campanha de pressão sistemática que somente pode ser descrita como um genocídio lento — tudo sob o pretexto de controlar totalmente Gaza. O plano de Netanyahu, com a transferência de governança para 'entidades árabes', está semeando preocupação e rejeição entre os palestinos. Muitos alertam que o plano não tem o único objetivo de enfraquecer o Hamas, mas servir como anteparo político para escalar os ataques e aprofundar a destruição e o sofrimento na região."
Abood AbuSalama, 28 anos, repórter fotográfico, morador da Faixa de Gaza
EU ACHO...
"O governo dos EUA, em conluio com Netanyahu, tem total responsabilidade pelo que está ocorrendo, incluindo os graves crimes de guerra de genocídio, fome e limpeza étnica. O que Netanyahu e seus apoiadores não entendem e não entenderão, ou farão vista grossa, é que não há força no universo capaz de quebrar a vontade do povo palestino ou forçá-lo a abandonar seu apego à sua indispensável pátria: a Palestina."
Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor do presidente Mahmud Abbas
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