
Javier Milei rompeu o silêncio desde o vazamento de áudios comprometedores que colocam a sua irmã, Karina Milei, no centro de um escândalo de suborno e desvio de fundos para pessoas com deficiência. Depois de ser obrigado a abandonar às pressas uma caravana eleitoral de Lomas de Zamora, a 20km ao sul de Buenos Aires, na quarta-feira (27/8), o presidente da Argentina decidiu partir para o ataque e acusar o kichnerismo — movimento político populista de esquerda — de travar uma "campanha difamatória" e de envolvimento na agressão a pedradas conta a caravana.
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"Como todos sabem, ontem, em uma atividade de campanha, vivemos uma situação aberrante. Um grupinho violento irrompeu com força e começou a arremessar pedras contra nós. Como todos sabem, isso se deu em meio a um contexto de operações difamatórias grosseiras", declarou Milei, ao discursar durante almoço organizado pelo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (CICyP), em Buenos Aires.
"Tudo o que disse (Spagnuolo) é mentira. Nós o levaremos à Justiça e provaremos que mentiu", acrescentou o presidente, ao citar o então diretor da Agência Nacional de Deficiência (Andis), Diego Spagnuolo, demitido na madrugada desta quinta-feira (28/8). Nas gravações vazadas à imprensa argentina, a suposta voz de Spagnuolo revela que Karina Milei, também secretária-geral da Presidência, teria embolsado parte das compras da Andis junto à drogaria Suizo Argentina, que distribui os medicamentos para as pessoas com deficiência atendidas pela Andis. "A Karina recebe 3%, e 1% vai na operação", afirma a voz atribuída ao ex-diretor, que assegurou ter avisado Milei.
"Mentira"
De acordo com Milei, as acusações que pesam contra a irmã nada mais são do que "um item na longa lista de esquemas da elite política e, como todos os anteriores, uma nova mentira". Ele assegurou que a "elite" tenta "travar o processo de mudança pelo qual a Argentina atravessa". "Como as pessoas votaram por um governo que veio acabar com todos os seus calotes e privilégios, sua resposta é gerar pânico e caos, infiltrar-se, difamar, qualquer outra manobra que entorpeça o processo de mudança que levamos aidante", disse o presidente. "As pessoas não estão mastigando vidro, nem nos deixaremos intimidar por ações covardes."
O presidente centrou fogo no Legislativo. "Temos um Congresso sequestrado pelo pior da classe política argentina, isso é, o kirchnerismo; um Congresso que representa os interesses mais baixos dos contribuintes; um Congresso que, com medo de que acabemos com os negócios deles e de seus amigos, quer derrubar o governo nacional, eleito por 56% dos argentinos", disparou.
Facundo Galván, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), explicou ao Correio que, na Argentina, não é fácil prever a repercussão eleitoral dos escândalos políticos. "É algo bastante delicado. Como todo escândalo, há muitas arestas. É preciso ver se a população crê, ou não, na culpabilidade de Karina Milei. Também quais as opções eleitorais, se isso terá consequências no voto, durante as eleições legislativas de 26 de outubro. Muitos argentinos colocaram Milei no poder por não gostarem de seus modos, porque não queriam o retorno do kircherismo", afirmou.
Segurança
O estudioso admitiu que os incidentes de quarta-feira em Lomas de Zamora estavam ligados a práticas políticas que a sociedade deseja erradicar. "Qualquer agressão física contra Milei acabará por melhorar a sua imagem. Por outro lado, uma segunda leitura, disseminada pelas redes sociais, entende que o operativo de segurança mostrou-se vulnerável. A percepção é de que, como o presidente está em campanha e no exercicio das funções, deve ser custodiado pela Casa Rosada", disse Galván.
Para Eduardo Belliboni, 65 anos, líder do movimento Polo Obrero e responsável por piquetes em Buenos Aires, a corrupção é um "problema de poder". "Denunciamos um governo corrupto e incompatível com as liberdades democráticas e, mais ainda, com a própria vida, como demonstrado pelo ataque a pessoas com deficiência, aos aposentados e aos refeitórios populares, dos quais retirou alimentos. Um presidente que rouba dos deficientes e veta leis não pode seguir governando. A estrutura de corrupção começa com Karina Milei e envolve não apenas o subsecretário de Gestão, Eduardo Menem, mas também o Instituto Nacional de Serviços Sociais para Aposentados e Pensionistas (Pami) e a compra de votos de deputados e senadores", explicou ao Correio.
Os pontos da suposta trama
Veja os três pontos principais do escândalo que mantém os argentinos em suspense em plena campanha eleitoral para as eleições legislativas provinciais e nacionais:
Alvo da investigação
Nos áudios vazados, Karina Milei é acusada de supostamente cobrar 3% do montante pago pela Agência Nacional de Deficiência (Andis) à drogaria Suizo Argentina para a compra de medicamentos. A investigação começou após a divulgação, a partir de 19 de agosto, de vários áudios atribuídos ao então diretor da Andis, Diego Spagnuolo. "A Karina recebe 3%, e 1% vai para a operação", diz a voz atribuída ao ex-funcionário, que afirma ter avisado ao presidente sobre a suposta trama da irmã. "Eles levam de meio milhão para cima por mês", prossegue a voz. A expressão refere-se a cerca de meio milhão de dólares (2,7 milhões de reais).
Demissão
O governo removeu Spagnuolo de seu cargo na madrugada de ontem, "diante dos fatos de conhecimento público".
Outros envolvidos
No suposto esquema de subornos, também está Eduardo "Lule" Menem, braço direito de Karina Milei e sobrinho do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999).
Mandado de busca
O juiz federal Sebastián Casanello ordenou 16 buscas, incluindo o domicílio de um dos donos da drogaria, Jonathan Kovalivker, que dirige a empresa junto com seu irmão Emmanuel. Este último foi encontrado pela polícia ao tentar fugir com US$ 266 mil (R$ 1,44 milhão) distribuídos em envelopes.
EU ACHO...
"Não creio que o atentado ou o escândalo de corrupção envolvendo a irmã de Milei vá gerar automaticamente um triunfo do kirchnerismo nem desviar votos nas eleições legislativas de outubro. A chave do comportamento eleitoral argentino está mais vinculada à economia e ao aspecto socioeconômico, o rumo da inflação, o valor do dólar e outras coisas que preocupam mais."
Facundo Galván, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA)
"O governo tem pela frente uma enorme crise econômica, o que retroalimenta a crise política. Vê-se uma queda na popularidade de Milei e um repúdio popular, que agora manifesta-se de forma violenta, como as pedradas. As próximas eleições, na província de Buenos Aires, indicam queda na intenção de voto, a qual pode ser prenúncio de uma derrota nacional. A crise pode se agravar."
Eduardo Belliboni, líder do movimento Polo Obrero
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