Donald Trump citou até mesmo Brasília para justificar duas medidas polêmicas: a mobilização de homens da Guarda Nacional para assumirem a segurança de Washington D.C. e a federalização do Departamento de Polícia da capital americana. "Olhem para isso... Nós temos o dobro (dos crimes) de Bagdá. Cidade do Panamá, Brasília, San Jose (Costa Rica), Bogotá (Colômbia). Cidade do México. Eu mencionei Lima, no Peru. (...) Vocês querem viver em locais assim? Eu acho que não", declarou a jornalistas na Casa Branca. No domingo (10/8), o presidente dos Estados Unidos tinha pedido às pessoas em situação de mendicância que abandonassem Washington. "As pessoas sem-teto devem sair, imediatamente. Nós lhes daremos abrigo, mas longe da capital", escreveu ele em sua plataforma Truth Social.
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O envio da Guarda Nacional e a intervenção na polícia teriam o objetivo de "limpar" a cidade de "gangues violentas". "Hoje é o Dia da Libertação em Washington D.C. e vamos recuperar nossa capital", prometeu Trump. Os planos do republicano envolvem a mobilização de 800 efetivos da Guarda Nacional, uma força de reserva, "para ajudar a restabelecer a ordem pública em Washington". O presidente não descarta mobilizar também as Forças Armadas. O objetivo de Trump também é a redução do número de sem-teto em Washington: o Departamento de Habitação registrou 5.600 mendigos em Washington, em 2024.
Muriel Bowser, prefeita de Washington, prometeu administrar a cidade de forma que os moradores se orgulhem disso e reconheceu o ineditismo do anúncio de Trump. "Embora esta ação de hoje (ontem) seja perturbadora e sem precedentes, não posso dizer que, dada a retórica do passado, estejamos totalmente surpresos", afirmou. "A criminalidade não diminuiu apenas em comparação a 2023, mas também em relação a 2019, antes da pandemia da covid-19. Nós estamos no menor nível de crimes violentos dos últimos 30 anos", assegurou.
Professor de direito constitucional da Universidade da Carolina do Norte, Michael Gerhardt vê a manobra de Trump como "mais um flagrante exemplo de exagero do presidente". "Também é uma tentativa de desviar a atenção da bagunça envolvendo o caso Epstein, que danificou sua base de apoio", explicou ao Correio, mencionando as supostas ligações entre Trump e o financista Jeffrey Epstein, declarado culpado de pedofilia e tráfico sexual. "É uma jogada clássica de Trump para inventar alguma história sobre os fracassos dos democratas em agradar sua base e desviar a atenção de algo que é verdade e que deve prejudicar o presidente."
Condições
Ainda segundo Gerhardt, a lei básica, elaborada pelo Congresso, permite que o presidente assuma certas operações em Washington D.C., sob condições específicas. "Tais condições não são atendidas neste caso. Portanto, trata-se de uma crise fabricada, para justificar ações autoritárias. O mesmo ocorreu com suas alegações sobre os deficits comerciais e de energia", observou o estudioso.
Com faixas em que pediam a divulgação dos documentos do caso Epstein, ativistas da organização não governamental Free DC protestaram em frente à Casa Branca. Diretora executiva da ONG, Keya Chatterjee afirmou ao Correio que a Free DC rejeita o "ataque à nossa democracia representado pela presença militar na nossa comunidade". "As 700 mil pessoas na capital dos EUA não têm o privilégio de uma representação igualitária perante a lei nos EUA, e nem sequer têm representação eleitoral em nossa legislatura nacional. Essa mobilização da Guarda Nacional é tecnicamente permitida por lei, porque não temos status de estado nem representação", explicou.
Chatterjee lembrou que Washington D.C. opera uma 'Lei de Autonomia' que não permite ao governo federal controlar o Distrito de Columbia sem a anuência do Congresso. "Essa lei, até agora, nos protege até certo ponto e não permite a tomada de poder federal. Isso é bom porque este regime não tem as habilidades para administrar Washington. Ninguém neste governo sabe ensinar crianças na escola, cultivar alimentos, cozinhar, cuidar do saneamento, dirigir um ônibus ou cuidar de qualquer uma das necessidades básicas que temos em nossa comunidade. Esta é a nossa casa e, no espírito de autogovernança, devemos ser nós a decidir as regras aqui."
Dados falsos sobre o DF
Em nota enviada ao Correio, Sandro Avelar, secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, comentou as declarações de Donald Trump. "Brasília é mais segura do que Washington. O que o presidente Trump disse pode ser uma surpresa para muitos, mas é apenas a realidade dos números, baseada no índice mundialmente aceito de casos de homicídios a cada 100 mil habitantes", afirmou, em nota enviada por e-mail. "Em 2024, tivemos o menor número de homicídios de toda a série histórica do DF, medida desde 1977. Foram 6,9 casos para cada 100 mil habitantes (207 homicídios), número que nos aproxima dos países europeus. Sim, Trump falou a verdade: Brasília é mais segura do que Washington", acrescentou. Ao mencionar Brasília e outras cidades, Trump apresentou gráficos em que comparava os índices de criminalidade registrados em Washington com os de outras capitais. No entanto, ele usou dados falsos. O presidente americano disse que Brasília registrou 13 assassinatos para cada 100 mil habitantes, índice quase duas vezes maior que o registrado oficialmente pelo Distrito Federal em 2024. (Darcianne Diogo e Giovanna Sfalsin)
