
A liderança do movimento islamita palestino Hamas, incluindo negociadores do grupo, estava reunida em um prédio no bairro turístico de Katara, em Doha (Catar). Khaled Meshaal, um dos fundadores; Khalil Al-Hayya, vice-presidente do gabinete político; Zaher Jabarin, chefe na Cisjordânia; e Muhammad Dariwish, líder do Conselho Shura, entre outros, debatiam o plano de trégua apresentado pelos EUA, quando caças de Israel bombardearam o imóvel.
O Hamas anunciou que tanto Meshaal quanto Al-Hayya sobreviveram ao ataque, o qual classificou como um fracasso. "A liderança do movimento sobreviveu à covarde tentativa de assassinato, e o ataque indica a intenção de Israel de frustrar qualquer possibilidade de alcançar um acordo", reagiu o grupo, por meio de um comunicado oficial.
O grupo palestino detalhou que seis pessoas morreram, incluindo o filho de Al-Hayya, principal negociador, e três guarda-costas. "O inimigo não conseguiu assassinar os membros da delegação encarregada das negociações", reiterou a facção. O gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou que "a ação contra os principais chefes terroristas do Hamas foi uma operação israelense totalmente independente". "Israel a iniciou, a conduziu e assume total responsabilidade."
Pouco depois, o premiê apareceu em um vídeo no qual lembrou que o próprio Hamas "orgulhosamente assumiu a autoria" do atentado de segunda-feira (8/9) em Jerusalém, quando dois atiradores mataram seis pessoas em uma parada de ônibus. "Ao meio dia de hoje (9/9), eu me reuni com os chefes das organizações de segurança de Israel, e autorizei um ataque cirúrgico preciso contra os chefes terroristas do Hamas. Esses são os mesmos líderes terroristas que planejaram, executaram e celebraram os horríveis massacres de 7 de outubro. (...) Eles cometeram o pior ataque contra os judeus desde o Holocausto. Estavam reunidos exatamente no mesmo local onde comemoraram a selvageria dois anos atrás", disse Netanyahu. "Houve uma época em que os judeus podiam ser mortos com impunidade. Desde a fundação do Estado de Israel, esses dias acabaram."
"Louvável"
O chefe de governo israelense afirmou que o bombardeio no Catar poderá abrir as portas para o fim da guerra em Gaza. No entanto, ele não confirmou o sucesso da operação. Principal parceiro de Israel, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse "lamentar profundamente" que o ataque tenha ocorrido no Catar, "um aliado dos Estados Unidos", mas acrescentou que considera "louvável" a eliminação do Hamas. O titular da Casa Branca negou qualquer participação na operação militar. "Esta foi uma decisão tomada pelo primeiro-ministro Netanyahu, não foi uma decisão tomada por mim", publicou Trump em sua plataforma Truth Social. Ele também pediu que a guerra em Gaza "termine, já!"
O governo do Catar confirmou a morte de um de seus agentes de segurança e classificou o bombardeio de "covarde". As autoridades catarianas informaram que os alvos foram as casas de vários líderes do Hamas. Doha abriga o escritório político do grupo. Apesar de declarar que o Catar seguirá atuando como mediador, ao lado de EUA e Egito, o primeiro-ministro, xeque Mohamed bin Abdulrahman al Thani, advertiu que sua nação "reserva-se o direito de responder" à agressão. "Acreditamos que hoje chegamos a um ponto de inflexão. Deve haver uma resposta de toda a região", sublinhou. O ataque aéreo atraiu a condenação de Arábia Saudita, Irã, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, França e Alemanha. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que se tratou de uma "flagrante violação" da soberania do Catar.
Para Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, a operação foi mal concebida por vários motivos. "Ela violou o direito internacional, comprometeu a soberania do Catar e retratou Israel como um Estado desonesto e desinteressado na paz. O fato de Israel ter atacado o Hamas enquanto este deliberava sobre um cessar-fogo sugere fortemente que Netanyahu não está interessado em nenhuma trégua", disse ao Correio.
Ben-Meir acrescentou que a sobrevivência da liderança do Hamas, caso confirmada, congelará as negociações de cessar-fogo. "Ser alvo de ataques enquanto se delibera sobre um acordo de trégua apenas confirma que Israel eventualmente buscará a morte deles, com ou sem cessar-fogo."
Por sua vez, Eran Etzion, ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, explicou à reportagem que a operação em Doha foi planejada para pôr fim às negociações para a libertação dos reféns em Gaza e minar o papel mediador do Catar. "Suas consequências, provavelmente, serão a suspensão das negociações, ao menos a curto prazo. Neste momento, não está claro exatamente quem morreu no bombardeio. Então, é um pouco difícil avaliarmos o impacto sobre a dinâmica interna do Hamas."
Etzion espera que as próximas semanas sejam importantes. Ele lembrou que, durante a reunião de alto nível da Assembleia Geral da ONU, em 22 de setembro, a França e a Arábia Saudita esperam liderar um debate sobre o reconhecimento do Estado palestino. "Netanyahu está tentando afundar a iniciativa", comentou.
Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor de Mahmud Abbas na presidência da Autoridade Palestina, criticou uma "violação do direito internacional". "Ao atacar o mediador Catar e tentar assassinar a equipe de negociação do Hamas, Israel está minando todas as chances de se chegar a um acordo de cessar-fogo", disse ao Correio.
EU ACHO...
"Não há dúvida de que o ataque, no mínimo, impedirá os esforços para retomar um cessar-fogo. O mais preocupante é que Trump foi notificado sobre o ataque e deu sinal verde a Netanyahu para prosseguir. Infelizmente, este ataque retratou Israel e EUA como Estados desonestos, que derespeitam a lei e a ordem internacionais. Eles terão que prestar contas de seus horríveis delitos, de uma forma ou de outra."
Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York
"A licença de Trump a Israel para levar adiante o bombardeio em Doha corroerá a credibilidade dos EUA aos olhos de todos os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), do Oriente Médio e de outros aliados de Washington. E a imagem do governo de Netanyahu como um regime desonesto, empenhado em militância e hegemonia regional, será fortalecida."
Eran Etzion, ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel
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