Oriente Médio

Israel ataca líderes do Hamas durante reunião no Catar

Aviação israelense lança dez munições contra local de encontro de chefes e negociadores do movimento fundamentalista palestino em Doha, capital do Catar. Grupo extremista anuncia que cúpula sobreviveu. Trump se desvincula do bombardeio

Imagem de câmera de vídeo mostra coluna de fumaça depois das explosões no bairro de Katara: bombardeio de
Imagem de câmera de vídeo mostra coluna de fumaça depois das explosões no bairro de Katara: bombardeio de "precisão cirúrgica" - (crédito: AFPTV/AFP)

A liderança do movimento islamita palestino Hamas, incluindo negociadores do grupo, estava reunida em um prédio no bairro turístico de Katara, em Doha (Catar). Khaled Meshaal, um dos fundadores; Khalil Al-Hayya, vice-presidente do gabinete político; Zaher Jabarin, chefe na Cisjordânia; e Muhammad Dariwish, líder do Conselho Shura, entre outros, debatiam o plano de trégua apresentado pelos EUA, quando caças de Israel bombardearam o imóvel.

O Hamas anunciou que tanto Meshaal quanto Al-Hayya sobreviveram ao ataque, o qual classificou como um fracasso. "A liderança do movimento sobreviveu à covarde tentativa de assassinato, e o ataque indica a intenção de Israel de frustrar qualquer possibilidade de alcançar um acordo", reagiu o grupo, por meio de um comunicado oficial.

Khaled Meshaal, um dos fundadores do Hamas e líder influente do movimento no exterior
Khaled Meshaal, cofundador do Hamas e líder no exterior (foto: KAYHAN OZER)

O grupo palestino detalhou que seis pessoas morreram, incluindo o filho de Al-Hayya, principal negociador, e três guarda-costas. "O inimigo não conseguiu assassinar os membros da delegação encarregada das negociações", reiterou a facção. O gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou que "a ação contra os principais chefes terroristas do Hamas foi uma operação israelense totalmente independente". "Israel a iniciou, a conduziu e assume total responsabilidade."

Pouco depois, o premiê apareceu em um vídeo no qual lembrou que o próprio Hamas "orgulhosamente assumiu a autoria" do atentado de segunda-feira (8/9) em Jerusalém, quando dois atiradores mataram seis pessoas em uma parada de ônibus. "Ao meio dia de hoje (9/9), eu me reuni com os chefes das organizações de segurança de Israel, e autorizei um ataque cirúrgico preciso contra os chefes terroristas do Hamas. Esses são os mesmos líderes terroristas que planejaram, executaram e celebraram os horríveis massacres de 7 de outubro. (...) Eles cometeram o pior ataque contra os judeus desde o Holocausto. Estavam reunidos exatamente no mesmo local onde comemoraram a selvageria dois anos atrás", disse Netanyahu. "Houve uma época em que os judeus podiam ser mortos com impunidade. Desde a fundação do Estado de Israel, esses dias acabaram."

"Louvável"

O chefe de governo israelense afirmou que o bombardeio no Catar poderá abrir as portas para o fim da guerra em Gaza. No entanto, ele não confirmou o sucesso da operação. Principal parceiro de Israel, o presidente dos EUA, Donald Trump, disse "lamentar profundamente" que o ataque tenha ocorrido no Catar, "um aliado dos Estados Unidos", mas acrescentou que considera "louvável" a eliminação do Hamas. O titular da Casa Branca negou qualquer participação na operação militar. "Esta foi uma decisão tomada pelo primeiro-ministro Netanyahu, não foi uma decisão tomada por mim", publicou Trump em sua plataforma Truth Social. Ele também pediu que a guerra em Gaza "termine, já!" 

Khalil Al-Hayya, vice-presidente do gabinete político do Hamas: filho morreu na operação militar
Khalil Al-Hayya, vice-presidente do gabinete político (foto: AFP)

O governo do Catar confirmou a morte de um de seus agentes de segurança e classificou o bombardeio de "covarde". As autoridades catarianas informaram que os alvos foram as casas de vários líderes do Hamas. Doha abriga o escritório político do grupo. Apesar de declarar que o Catar seguirá atuando como mediador, ao lado de EUA e Egito, o primeiro-ministro, xeque Mohamed bin Abdulrahman al Thani, advertiu que sua nação "reserva-se o direito de responder" à agressão. "Acreditamos que hoje chegamos a um ponto de inflexão. Deve haver uma resposta de toda a região", sublinhou. O ataque aéreo atraiu a condenação de Arábia Saudita, Irã, Jordânia, Emirados Árabes Unidos, Reino Unido, França e Alemanha. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que se tratou de uma "flagrante violação" da soberania do Catar.

Para Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, a operação foi mal concebida por vários motivos. "Ela violou o direito internacional, comprometeu a soberania do Catar e retratou Israel como um Estado desonesto e desinteressado na paz. O fato de Israel ter atacado o Hamas enquanto este deliberava sobre um cessar-fogo sugere fortemente que Netanyahu não está interessado em nenhuma trégua", disse ao Correio.

Ben-Meir acrescentou que a sobrevivência da liderança do Hamas, caso confirmada, congelará as negociações de cessar-fogo. "Ser alvo de ataques enquanto se delibera sobre um acordo de trégua apenas confirma que Israel eventualmente buscará a morte deles, com ou sem cessar-fogo."

Por sua vez, Eran Etzion, ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, explicou à reportagem que a operação em Doha foi planejada para pôr fim às negociações para a libertação dos reféns em Gaza e minar o papel mediador do Catar. "Suas consequências, provavelmente, serão a suspensão das negociações, ao menos a curto prazo. Neste momento, não está claro exatamente quem morreu no bombardeio. Então, é um pouco difícil avaliarmos o impacto sobre a dinâmica interna do Hamas." 

Etzion espera que as próximas semanas sejam importantes. Ele lembrou que, durante a reunião de alto nível da Assembleia Geral da ONU, em 22 de setembro, a França e a Arábia Saudita esperam liderar um debate sobre o reconhecimento do Estado palestino. "Netanyahu está tentando afundar a iniciativa", comentou.

Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor de Mahmud Abbas na presidência da Autoridade Palestina, criticou uma "violação do direito internacional". "Ao atacar o mediador Catar e tentar assassinar a equipe de negociação do Hamas, Israel está minando todas as chances de se chegar a um acordo de cessar-fogo", disse ao Correio.

EU ACHO...

2018. Crédito: Arquivo Pessoal. Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York.
Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York (foto: Arquivo pessoal)

"Não há dúvida de que o ataque, no mínimo, impedirá os esforços para retomar um cessar-fogo. O mais preocupante é que Trump foi notificado sobre o ataque e deu sinal verde a Netanyahu para prosseguir. Infelizmente, este ataque retratou Israel e EUA como Estados desonestos, que derespeitam a lei e a ordem internacionais. Eles terão que prestar contas de seus horríveis delitos, de uma forma ou de outra."

Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York

Eran Etzion, ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel
Eran Etzion, ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel (foto: Arquivo pessoal )

"A licença de Trump a Israel para levar adiante o bombardeio em Doha corroerá a credibilidade dos EUA aos olhos de todos os países do Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), do Oriente Médio e de outros aliados de Washington. E a imagem do governo de Netanyahu como um regime desonesto, empenhado em militância e hegemonia regional, será fortalecida."

Eran Etzion, ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel

  • Khaled Meshaal, cofundador do Hamas e líder no exterior
    Khaled Meshaal, cofundador do Hamas e líder no exterior Foto: KAYHAN OZER
  • Khalil Al-Hayya, vice-presidente do gabinete político
    Khalil Al-Hayya, vice-presidente do gabinete político Foto: AFP
  • 2018. Crédito: Arquivo Pessoal. Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York.
    Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York Foto: Arquivo pessoal
  • Eran Etzion, ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel
    Eran Etzion, ex-vice-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel Foto: Arquivo pessoal
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postado em 10/09/2025 05:50
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