
O encontro incomum do secretário de Guerra dos Estados Unidos, Pete Hegseth, com centenas de generais e almirantes das Forças Armadas, foi marcado por declarações consideradas atípicas e carregadas de preconceito. Também contou com a participação, não menos surpreendente, do presidente Donald Trump. "Este governo fez muito desde o primeiro dia para remover a justiça social, o politicamente correto e o lixo ideológico tóxico que infectou nosso departamento (Pentágono). (...) Chega de adoração às mudanças climáticas, chega de divisão, de distração ou de ilusões de gênero. Chega de entulho", disse Hegseth. "Como já disse antes e repito, chega dessa m... Eu assumi como missão erradicar as distrações óbvias que nos tornaram menos capazes e menos letais", acrescentou, em Quantico, no estado da Virgínia.
De acordo com ele, os militares americanos foram forçados por "políticos tolos e imprudentes" a se concentrarem nas "coisas erradas". "Nos tornamos o 'Departamento Woke'. Não mais!", avisou Hegseth, ao citar o termo usado para designar ideologias associadas pelos conservadores às políticas liberais ou de esquerda, como a igualdade racial e social, o feminismo e o movimento LGBTQIAPN+.
O chefe do Departamento de Guerra avisou que as Forças Armadas retornarão ao "mais alto padrão masculino". "Porque este trabalho é de vida ou morte. Os padrões devem ser cumpridos. Não apenas cumpridos. Em todos os níveis, devemos buscar superar padrões, desafiar limites e competir. Isso deve estar em nosso DNA", disse Hegseth. "Quero deixar bem claro: não se trata de impedir as mulheres de servir. Nossas oficiais são as melhores do mundo, mas quando se trata de um trabalho que exige força física para entrar em combate, esses padrões devem ser neutros — e elevados. Se as mulheres conseguirem, ótimo."
Ainda ao mencionar o "alto padrão masculino", o secretário fez críticas à forma física dos soldados e oficiais. "Francamente, é cansativo olhar para formações de combate, ou qualquer formação, e ver soldados gordos. Da mesma forma, é completamente inaceitável ver generais e almirantes gordos nos corredores do Pentágono e liderando comandos pelo país e pelo mundo. É uma visão ruim. É ruim, e não é quem somos", disparou.
Guarda Nacional
Em seu pronunciamento, Trump instou a cúpula militar a "vigiar o inimigo interno". Ele defendeu que as Forças Armadas utilizem cidades do país como "campos de treinamento" e considerou a mobilização da Guarda Nacional como "uma das tarefas mais importantes para algumas pessoas nesta sala". "Isso também é uma guerra: é uma guerra interna", avisou o republicano.
"Estamos sob invasão interna. Não é diferente de um inimigo estrangeiro, mas é mais difícil em muitos aspectos, eles não usam uniformes. (...) Eu disse a Pete que deveríamos usar algumas dessas cidades perigosas como campos de treinamento para nosso exército", acrescentou, ao aludir a San Francisco, Chicago, Nova York, Los Angeles, Washington e Portland.
No discurso, Trump disse que será um "insulto" se ele não ganhar o Prêmio Nobel da Paz por supostamente ter solucionado oito guerras em oito meses. "Você receberá o Prêmio Nobel?", perguntou a si mesmo, e então respondeu: "De jeito nenhum. Eles o darão a um sujeito que não fez absolutamente nada". Não receber essa distinção "seria um grande insulto para o nosso país", acrescentou Trump. "Não o quero para mim, o quero para o país." A honraria, oferecida pelo Comitê Nobel Norueguês a quem contribui com a paz, tornou-se uma obsessão para o titular da Casa Branca.
Richard K. Betts, professor do Instituto Saltzman de Estudos de Guerra e Paz da Universidade de Columbia, criticou Trump e Hegseth. "Ambos são reacionários fanáticos que pretendem que as Forças Armadas dos EUA adotem seus valores de direita e se frustram com o fato de os militares serem profissionais e não se identificarem politicamente com eles", declarou ao Correio, por e-mail. Segundo Betts, a maioria dos oficiais tentará evitar qualquer pressão para agir sob motivações políticas. "Se eles forem demitidos e substituídos por fervorosos apoiadores de Trump, haverá uma crise nas relações civis-militares", alertou.
O estudioso afirma que o pedido de Trump para "vigiar o inimigo interno" é o mais alarmante. "Isso sugere politizar as Forças Armadas e transformá-las em instrumento de política. Até então, o ethos das Forças Armadas tem sido o de ser absolutamente apartidário", concluiu Betts. Historiador político da Universidade Brown (em Rhode Island), James Naylor Green disse que Trump viola todas as tradições americanas em todos os sentidos. "Além disso, ele utiliza a Guarda Nacional onde não deveria, pois ela só pode ser mobilizada em situação de emergência e insurreição. Não existe insurreição. É o excesso de uso de poder violento e horrível. Infelizmente, ele consegue convencer um setor da sociedade de que existe uma ameaça. É inexplicável e estúpido o que ele está fazendo", admitiu ao Correio.
Ultimato ao Hamas sobre o plano de paz
O movimento islamita palestino Hamas tem até sábado para anunciar se aceita ou não o plano de paz de 20 pontos anunciado pelos Estados Unidos. O ultimato foi feito pelo presidente Donald Trump. "Vamos fazer isso por uns três ou quatro dias. Vamos ver como será. (...) Estamos apenas aguardando o Hamas, e o Hamas vai fazer isso ou não, e se não fizer, será um fim muito triste", ameaçou, ontem, o americano. A proposta, respalda por Israel e por países árabes e elogiada pela Autoridade Palestina, contempla a desmilitarização da Faixa de Gaza, a deposição de armas por parte do Hamas, a anistia a militantes que aceitarem a coexistência pacífica com Israel, a ausência da facção nos processos decisórios do território palestino, a supervisão por um "comitê de paz" liderado por Trump e a presença de forças estrangeiras.
Para Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York e especialista em Oriente Médio, o plano é "certamente viável", mas será "extremamente difícil de ser implementado". "Acredito firmemente, no entanto, que o Hamas pode muito bem se dar conta de que a resistência violenta contínua não terá sucesso. Não teve sucesso no passado e não terá sucesso agora. Eles têm a oportunidade de capitalizar a atenção mundial em apoio a uma solução baseada em dois Estados. Se aceitar o plano de paz de Trump, o Hamas vai declarar-se vitorioso", disse ao Correio.
Ben-Meir lembrou que o Hamas sugeriu estar preparado para abrir mão do controle civil de Gaza, desde que mantenha os armamentos. "Ante o fato de Trump ter afirmado que, se o Hamas não aceitar o novo plano, os EUA apoiarão Israel para aacabnar com o grupo, acho que isso pode levar a facção a pensar a aceitar uma pausa e a repensar sua posição. Outro ponto a ser mencionado é que a proposta oferece a todos os combatentes do Hamas a oportunidade de serem desarmados e perdoados por suas atividades passadas, além da oportunidade de também deixarem o território de sua escolha", acrescentou.
Diretor da Rede de Informação Política do Oriente Médio (Mepin), Eric R. Mandel admitiu ao Correio que o principal desafio está no fato de desarmamento do Hamas, da Jihad Islâmica e de grupos palestinos dificilmente ocorrer de forma voluntária. "Se os páises árabes e muçulmanos não exercerem pressão suficiente para persuadi-los a deixar Gaza pacificamente, o ônus recairá sobre Israel, pois nenhuma força internacional ou regional demonstrou determinação para confrontar diretamente essas organizações militantes", advertiu Mandel. (RC)
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