Faixa de Gaza

"Acabamos com a guerra", diz Trump sobre cessar-fogo em Gaza

Israel aprova a primeira fase do acordo de cessar-fogo com o movimento islâmico palestino Hamas. EUA enviarão 200 soldados para monitorar implementação da trégua e ressaltam que reféns começarão a ser soltos entre segunda e terça-feira

Israelenses celebram o acordo para a libertação dos sequestrados, na Praça dos Reféns, em Tel Aviv  -  (crédito: Maya Levin/AFP)
Israelenses celebram o acordo para a libertação dos sequestrados, na Praça dos Reféns, em Tel Aviv - (crédito: Maya Levin/AFP)

Pelo menos na teoria, o cessar-fogo na Faixa de Gaza começou por volta de 1h30 desta sexta-feira pelo horário de Jerusalém (19h30 de quinta-feira em Brasília), quando o gabinete do primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, aprovou a base para a libertação de todos os reféns do movimento islâmico palestino Hamas. A implementação da primeira fase do plano de paz de Donald Trump será supervisionada por um grupo de 200 militares dos Estados Unidos, acompanhados de tropas do Egito, do Catar, da Turquia e, provavelmente, dos Emirados Árabes Unidos. Um alto oficial da Casa Branca esclareceu que os soldados americanos provavelmente ficarão estacionados em Israel. "Não há intenção de enviar tropas para dentro de Gaza", assegurou.

Durante encontro com assessores, o presidente Donald Trump declarou: "Nós acabamos com a guerra em Gaza e (...) criamos a paz"."Acho que será uma paz duradoura e, tomara, eterna. A paz no Oriente Médio, nós garantimos a libertação de todos os reféns; e eles devem ser soltos na segunda-feira ou na terça-feira. Será um dia de alegria", anunciou. Ele não descarta visitar o Egito no domingo ou na próxima semana e revelou que será o garantista.  

Benjamin Netanyahu (C) com Steve Witkoff (E), enviado especial dos EUA, e Jared Kushner (D), genro de Trump, durante reunião de gabinete, em Jerusalém
Benjamin Netanyahu (C) com Steve Witkoff (E), enviado especial dos EUA, e Jared Kushner (D), genro de Trump, durante reunião de gabinete, em Jerusalém (foto: Governo de Israel)

A reunião de Netanyahu com o gabinete teve as presenças de Steve Witkoff, enviado dos EUA para o Oriente Médio, e de Jared Kushner, genro de Trump. As Forças de Defesa de Israel (IDF) agora terão que retirar as tropas para novas linhas dentro de Gaza, mantendo o controle de 53% do território palestino. Em 72 horas, o Hamas terá que libertar os 20 reféns vivos e entregar os corpos dos 28 mortos. Israel, por sua vez, soltará cerca de 1.200 prisioneiros palestinos. Um alto oficial israelense assegurou que o cessar-fogo começou a vigorar depois da reunião de Netanyahu.

"Luz após escuridão"

Crianças palestinas comemoram o cessar-fogo, em Khan Yunis, depois de dois anos de bombardeios
Crianças palestinas comemoram o cessar-fogo, em Khan Yunis, depois de dois anos de bombardeios (foto: Omar Al-Qattaa/AFP)

"As notícias do cessar-fogo foram como luz depois de longa escuridão", disse ao Correio o repórter fotográfico Abood Abu Salama, 28 anos, morador do campo de refugiados de Jabalia. "De repente, as pessoas começaram a sorrir, apesar de tudo o que passaram, esquecendo momentos de dor, de fome e de lágrimas. Crianças voltaram a pensar sobre brincar nas ruas, sem medo dos aviões. Espero que tudo termine e a alegria retorne aos nossos corações." Na Cidade de Gaza, a ativista de mídia Reham Alqeed, 40, desabafou à reportagem: "O massacre terminou, e o genocídio cessou". "Agradecemos ao Egito por seu papel significativo na prevenção do deslocamento em massa da população da Faxa de Gaza e na obtenção de um cessar-fogo."

Na segunda-feira, véspera do segundo aniversário do massacre de 7 de outubro, a professora Hadar Rubin, 56 anos, não conteve a emoção ao visitar as ruínas da casa da família, no kibbutz de Nir Oz. "Meu pai morreu 10 meses depois, após sobreviver a oito horas de horror ali. Ele saiu do quarto seguro um homem diferente de quando entrou, e o trauma, eventualmente, levou-o à morte", disse ao Correio. "Esses dois últimos anos foram terríveis. Minha expectiva é de que todos os reféns vivos serão libertados. Isso deve ocorrer de acordo com os prazos estipulados. Espero que recebamos os corpos de todos os sequestrados mortos, para que possamos dar-lhes um enterro digno em Israel." Ela defende que o próximo passo seja trocar Netanyahu. "É inevitável. A tragédia pela qual passamos poderia ter sido evitada se o Estado tivesse agido de forma diferente."

Hadar Rubin (E) se emociona ao visitar a casa da família, em Nir Oz, destruída em 7 de outubro de 2023
Hadar Rubin (E) se emociona ao visitar a casa da família, em Nir Oz, destruída em 7 de outubro de 2023 (foto: John Wessels/AFP)

Professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, Alon Ben-Meir lembrou que, no momento, o acordo alcançado entre o Hamas e, indiretamente, os EUA limita-se à libertação de todos os reféns israelenses, vivos e mortos, e de cerca de 250 prisioneiros palestinos condenados à morte, além de outros 1.700 capturados durante a guerra. "Eles estão discutindo outros elementos, incluindo a deposição de armas pelo Hamas; a entrada de uma força internacionais em Gaza; a retirada israelense em etapas; e a futura governança do território. Não existe acordo sobre nenhum desses pontos, o que será extremamente difícil", avaliou. 

Ben-Meir reconhece que um acordo sobre a libertação dos reféns mostra-se significativo. "É uma vitória para o Hamas. O que eles realmente precisavam era de um cessar-fogo e do influxo de assistência humanitária para Gaza, o que lhes permitiria reagrupar e permanecer relevantes para futuras negociações."

Professora de relações internacionais na ESPM, Denilde Holzhacker vê uma "grande desconfiança" em relação à implementação do acordo. "Será preciso ver se a entrega dos reféns vivos levará Israel a mudar de posição. Há um grupo ligado à extrema direita israelense que se opõe a aceitar qualquer tipo de acordo com o Hamas. Trump e os EUA têm se esforçado para que Israel garanta o que foi pactuado", afirmou ao Correio. "Há desconfiança dos dois lados. Os israelenses desconfiam se o Hamas assumirá as partes do acordo, especialmente o tema da desmilitarização. O primeiro passo foi dado." 

A PRIMEIRA FASE DO PACTO

O que diz o acordo aprovado pelo gabinete de Netanyahu e pelo Hamas, após negociações indiretas em Sharm El Skeikh, no Egito

Cessar-fogo

A guerra terminará imediatamente depois da aprovação do acordo pelo governo de Israel. Todas as operações militares, incluindo bombardeios aéreos e de artilharia serão suspensas. Durante o período de 72 horas, a vigilância aérea será suspensa sobre as áreas em que as Forças de Defesa de Israel (IDF) se retirarem. 

Ajuda humanitária

Começo imediato de entrada completa de ajuda humanitária na Faixa de Gaza.

Recuo militar

As IDF se retirarão para linhas pré-acordadas. O recuo estará finalizado 24 horas depois da aprovação do plano pelo gabinete de Netanyahu. 

Troca de reféns e presos

Assim que as IDF completarem o recuo militar, o Hamas começará a investigar o status dos reféns. Em 72 horas, libertará todos os 20 sequestrados vivos, inclusive aqueles mantidos em poder de outras facções palestinas em Gaza. No mesmo prazo, entregará os corpos dos 28 sequestrados mortos no cativeiro ou durante o massacre de 7 de outubro de 2023. Israel libertará, imediatamente, 1.200 prisioneiros palestinos. 

VOZES DE ALÍVIO E DE ESPERANÇA

"Precisávamos de qualquer acordo, de qualquer raio de esperança. Dois anos de guerra, dois anos de perdas, de dor, de luto, de choro e de opressão. As ruas de Gaza estavam exaustas, buscando qualquer vislumbre de esperança, qualquer chance de cessar-fogo. Honestamente, essa notícia fez meu coração dançar de alegria, uma sensação indescritível. Depois de dois anos de guerra, testemunhar um breve momento de paz é o maior presente que podemos receber."

Abood Abu Salama, 28 anos, repórter fotográfico, morador do campo de refugiados de Jabalia

"Eu esperava por isso há tanto tempo! Estou um pouco assustada, com receio de que isso não ocorra. Com medo do que essas mães sentirão, caso seus filhos não retornem para casa. Não posso sentir felicidade até vê-los começando a voltar para casa. Eu anseio pela paz no Oriente Médio, mas ela não pode ser conseguida por Israel sozinho. Precisamos da ajuda do mundo inteiro. Espero pelo retorno dos reféns; depois disso, eu estarei realmente feliz." 

Rita Lifshitz, 61 anos, morava no kibbutz de Nir Oz e teve o sogro sequestrado e executado, em Gaza, após 503 dias de cativeiro

"A guerra na Faixa de Gaza sangrenta terminou, deixando para trás dezenas de milhares de viúvas, órfãos e pessoas enlutadas. Apesar das profundas feridas que a guerra deixou em nossos corações, devemos superá-las e mover-nos adiante, com o espírito da reconstrução, a fim de curarmos nossas feridas e corações. Devemos viver à altura dos sacrifícios de nosso povo, reconstruindo Gaza e sua população."

Reham Alqeed, 40 anos, moradora da Cidade de Gaza

"Assim que ouvi as notícias, lágrimas de alívio correram pela minha face. Há dois anos temos esperado pelas pessoas que foram sequestradas da nosso kibbuz. Estávamos tão preocupados e tão estressados! Era impossível olhar para frente com alguma esperança. Eu estava muito pessimista. Não me permiti esperar e me decepcionar novamente." 

Irit Lahav, ex-porta-voz do kibbutz de Nir Oz; sobreviveu ao massacre de 7 de outubro com a filha, após bloquearem a porta do quarto seguro com um aspirador de pó

"Ao contrário de muitas e muitas vezes nos últimos dois anos, parece que desta vez realmente teremos um acordo que será executado. O que significa trazer de volta os reféns, aqueles que estão vivos e os corpos dos outros; sair de Gaza e iniciar um longo processo de cura, correção e reabilitação, em ambos os lados da fronteira. Nós — Israel e os israelenses — temos muito a consertar, a corrigir. Reorganizar nossas prioridades, tanto em casa quanto no mundo."

Daniel Zonshine, ex-embaixador de Israel no Brasil, hoje aposentado 

"As pessoas daqui acompanham o acordo com esperança cautelosa. Passamos por tantos anúncios e tantas promessas quebradas que é difícil acreditar plenamente em qualquer coisa até que realmente vejamos mudanças na prática. Espero que o acordo possa trazer, mesmo que seja uma breve pausa — um momento de alívio para as pessoas que perderam tudo, uma chance para retornarem às suas casas, enterrarem seus entes queridos e viverem um dia sem medo."

Mohammed Hiesham Salem, 29 anos, repórter fotográfico, morador da Cidade de Gaza

A obsessão de Trump: o Nobel da Paz

Apesar da autocampanha de Donald Trump pelo Nobel da Paz, as chances do presidente americano de ganhar o prêmio são consideradas remotas. "Trump está cometendo um erro. O Nobel da Paz não é um negócio imobiliário no sul de Manhattan. Pressão não funciona. Indivíduos não podem se autoindicar, e fazer campanha abertamente é desaprovado", afirmou ao Correio Theo Zenou, pós-doutor em história dos Estados Unidos pela Universidade de Cambridge e especialista em Presidência dos EUA. "A ostentação de Trump irritará o Comitê Nobel Norueguês." Segundo ele, ainda que o americano tenha se rotulado como pacificador histórico, ao garantir que resolveu sete guerras em sete meses, a afirmação não se sustenta. "Muitos dos conflitos que ele diz ter encerrado ainda estão acontecendo. Pode haver cessar-fogo em vigor, mas as causas por trás deles não desapareceram. Os conflitos podem ressurgir a qualquer momento", observou. Para Zenou, embora o cessar-fogo em Gaza seja um marco importante e Trump mereça crédito por intermediá-lo, ele está apenas começando a acontecer. "Precisamos ver como ele evolui e o que acontece a seguir. O próprio plano de Trump prevê várias fases. Por enquanto, apenas a fase 1 foi acordada. Novamente, esta é uma conquista diplomática significativa, mas é muito cedo para começar a falar em um Prêmio Nobel." 

  • Crianças palestinas comemoram o cessar-fogo, em Khan Yunis, depois de dois anos de bombardeios
    Crianças palestinas comemoram o cessar-fogo, em Khan Yunis, depois de dois anos de bombardeios Foto: Omar Al-Qattaa/AFP
  • Hadar Rubin (E) se emociona ao visitar a casa da família, em Nir Oz, destruída em 7 de outubro de 2023
    Hadar Rubin (E) se emociona ao visitar a casa da família, em Nir Oz, destruída em 7 de outubro de 2023 Foto: John Wessels/AFP
  • Benjamin Netanyahu (C) com Steve Witkoff (E), enviado dos EUA, durante reunião de gabinete, em Jerusalém
    Benjamin Netanyahu (C) com Steve Witkoff (E), enviado especial dos EUA, e Jared Kushner (D), genro de Trump, durante reunião de gabinete, em Jerusalém Foto: Governo de Israel
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postado em 10/10/2025 05:50
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