Violência

Sapatos vermelhos para criar consciência contra a violência do homem

A artista plástica mexicana Elina Chauvet, 55 anos, perdeu a irmã, assassinada. Resolveu transformar sua dor em protesto e criou uma instalação que se espalhou pelo planeta e tornou-se símbolo

A instalação da artista mexicana na cidade italiana de Cremona, em 2015                                 
 -  (crédito: Fotos: Arquivo pessoal)
A instalação da artista mexicana na cidade italiana de Cremona, em 2015 - (crédito: Fotos: Arquivo pessoal)

Domingo, 7 de dezembro, colônia Senderos del Sol, na região de Ciudad Juárez. O corpo de María Elena, de bruços, tinha sinais de violência e um fio elétrico enrolado no pescoço. Quinta-feira, 23 de outubro, Ecatepec. Um homem derrama gasolina contra um ônibus de transporte exclusivo para mulheres e ateia fogo. O motorista age rápido e impede um massacre. Todos os dias, 11 mulheres são assassinadas no México. A artista plástica mexicana Elina Chauvet, 66 anos, decidiu erguer a voz de forma silenciosa contra o feminicídio, uma epidemia em seu país. Ela transformou sapatos femininos pintados de vermelho em um poderoso símbolo de resistência e de protesto. Também fez de sua dor e de uma tragédia familiar motivos para se levantar contra a matança de mulheres. 

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"Os sapatos vermelhos foram uma maneira que encontrei de tornar a ausência visível, o oco que essas mulheres deixaram, o vazio. A cor vermelha representa o sangue derramado, mas também o amor. É uma obra que nasce do amor. Do amor pela minha irmã, vítima de feminicídio, de sua ausência. Tínhamos apenas um ano de diferença. Crescemos juntas, até os 30 anos estivemos unidas. Ela morreu aos 32 anos. Foi como se tivessem me partido ao meio. Dedico minha obra à minha irmã e a todas as mulheres que perderam suas vidas pelas mãos de um homem", explicou Elina ao Correio, por telefone.

A primeira instalação com sapatos vermelhos foi montada em 2009. "Ela obedeceu a uma série de feminicídios e de assassinatos de mulheres ocorridos no México. Os feminicídios começaram, em meu país, no início da década de 1990. Para mim, chegar aos sapatos vermelhos envolveu um processo pessoal, porque minha irmã foi vítima de feminicídio, de violência doméstica", contou . "Foi um processo de muitos anos, falar de diferentes tipos de violência. Foram anos de reflexão sobre a violência doméstica e outras violências enfrentadas pelas mulheres", acrescentou Chauvet.

Elina Chauvet, 66 anos, teve a irmã assassinada e fez da arte um protesto
Elina Chauvet, 66 anos, teve a irmã assassinada e fez da arte um protesto (foto: Arquivo pessoal)

Visibilidade

De acordo com a artista, o projeto foi criado para visibilizar todas as violências. "Isso inclui o desprezo pela vida e pelo corpo das mulheres, que são enormes. Não tenho palavras para descrever o quão monstruoso tem sido isso", desabafou. Quando iniciou as instalações, Elina vislumbrou a possibilidade de levar o projeto para outros países. "A violência contra as mulheres está presente emn todo o mundo, não reconhece fronteiras, nem culturas ou diferenças econômicas e sociais. Pensei nesse projeto como algo mundial. É um modo de comunicar às pessoas a minha preocupação. Uma preocupação coletiva, a fim de buscar soluções e fazer com que os homens e as mulheres reflitam, além de educar as crianças sobre esse assunto." Cerca de 600 instalações de Elina visitaram 30 países. As últimas foram vistas em 25 de novembro passado, no México, na Alemanha, Itália, Barbados e Países Baixos. 

A mexicana acredita que, quanto mais consciência existir, mais oportunidades haverá de erradicar o feminicídio. "Sou artista e, de alguma maneira, a ferramenta de que disponho é a arte", disse ela. No México, muitas mortes de mulheres são motivadas pelas redes do narcotráfico. "Mas, por aqui, há todo um sistema machista. Eu gostaria de pensar que os homens reflitam realmente sobre a violência que exercem contra as mulheres. Não espero que os sapatos mudem a situação. A arte ajuda a fazer reflexões. Transmito mensagens por meio da obra. Eu gostaria que houvesse a receptividade dos homens, que se mostram um pouco reticentes a aceitar que cometem violência contra as mulheres", destacou Chauvet. Ela defende a integração de homens e mulheres para pôr fim a esse atraso social. "O feminicídio tem causado um enorme dano. Precisamos mudar o pensamento e o futuro das novas gerações." 

A violência bateu à porta da família de Elina com o assassinato da irmã. "Foram anos de reflexão e de lamento por sua morte, de querer explicá-la e entender que ocorreu por causa da violência machista, que controla as condutas, reprime e castiga as mulheres", explicou a artista mexicana. No México, em média, 6,2 mulheres por cada 100 mil são mortas — quase o dobro do Brasil, que registra uma taxa de 3,5 assassinatos.

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postado em 09/12/2025 05:58
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