América Latina

Especialistas apontam razões do flerte latino-americano com conservadorismo

Mapa político do subcontinente tende a flertar com o conservadorismo. Especialistas consultados pelo Correio afirmam que a segurança, a imigração e a ânsia pela renovação de poder são as principais forças motrizes do fenômeno

Em 16 de dezembro, Javier Milei (D) recebeu o presidente eleito do Chile, José Antonio Kast, na Casa Rosada, em Buenos Aires  -  (crédito: Presidência da Argentina/AFP)
Em 16 de dezembro, Javier Milei (D) recebeu o presidente eleito do Chile, José Antonio Kast, na Casa Rosada, em Buenos Aires - (crédito: Presidência da Argentina/AFP)

Criminalidade, imigração, comparações catastróficas com a crise na Venezuela, nacionalismo exacerbado, aversão ao sistema político tradicional. Uma conjunção de fatores leva a América Latina a flertar, cada vez mais, com a direita e a ultradireita. As eleições do libertário Javier Milei, na Argentina, em 20 de novembro de 2023, e do brasileiro Jair Bolsonaro, que acabou condenado e preso por tentativa de golpe de Estado, ajudaram a impulsionar uma onda conservadora pelo subcontinente. Mais recentemente, em 14 de dezembro passado, a ultradireita levou mais um de seus políticos ao topo do poder: no Chile, o advogado José Antonio Kast derrotou a ex-ministra do Trabalho e Previdência Social, representante da esquerda, e garantiu a cadeira no Palácio de La Moneda. 

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Michael Albertus — professor de ciência política da Universidade de Chicago — vê um balanço de poder mesclado na América Latina, mas reconhece uma propensão de um domínio da direita. "Há fortes governos de esquerda, como do Brasil e da Colômbia, mas também da direita, exemplos de Argentina e Equador. No entanto, definitivamente vejo uma tendência rumo à direita na América do Sul. Além da vitória de Kast, no Chile, a direita tem boas chances nas próximas eleições da Colômbia (31 de maio de 2026) e no Peru (12 de abril)", afirmou ao Correio.

O estudioso avalia que a direita mantém-se forte na Argentina, no Equador e no Paraguai, muito em parte devido a especificidades de cada nação. Segundo Albertus, a Argentina se deslocou para a direita por motivos distintos dos do Chile, por exemplo. "A tendência geral é impulsionada pelo aumento da criminalidade e da insegurança, bem como pelas pressões associadas à imigração, principalmente da Venezuela", disse Albertus. 

Diretor do Instituto das Américas da University College London (UCL), Néstor Castañeda avalia que o equilíbrio de forças na América do Sul permanece dinâmico. "Temos uma coexistência de governos de esquerda e de direita. Eleições recentes na Bolívia e no Chile indicam um renovado impulso para partidos conservadores ou de centro-direita", admitiu ao Correio. Ele aposta que os resultados das eleições de 2026 no Brasil, na Colômbia e no Peru serão cruciais para determinar até que ponto essa tendência se consolidará. 

Fatores

Castañeda vê uma evidência clara de que uma onda conservadora está ganhando força. "Vários fatores, incluindo desafios econômicos, preocupações com a segurança pública, desilusão com governos anteriores de esquerda, e um desejo de renovação política direcionam essa mudança", avaliou o especialista. "A influência da política externa dos Estados Unidos também tem sido importante. Os eleitores frequentemente buscam alternativas quando problemas persistentes permanecem sem solução, e os líderes conservadores têm capitalizado efetivamente sobre esses sentimentos."

Mariano Fraschini, doutor em ciência política e professor da Universidad de Buenos Aires (UBA) e da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), explicou ao Correio que os analistas se baseiam na conjuntura para traçar a tendência ideológica e política predominante em um país ou região. "A atual conjuntura da América do Sul parece manifestar-se em uma direção bem clara e nítida neoliberal, ou seja, à direita. Na década de 1980, predominava a transição à democracia. Nos anos 1990, o neoliberalismo e o processo hegemônico na América Latina. A partir do século 21, houve um giro à esquerda, que começou com Hugo Chávez, em 1999, e terminou com o triunfo de Mauricio Macri, na Presidência da Argentina", disse.

Das 39 eleições na América Latina, 21 foram vencidas pelos neoliberais e 18, pela força progressista. "Entre 2020 e 2022, houve a hegemonia da esquerda. Mas uma análise conjuntural exige uma abordagem em um prazo de 10 anos", comentou Fraschini. "Observa-se, claramente, um empate ideológico nesse período, o que não nos permitia apontar um domínio da esquerda ou da direita. Entre 2015 e 2025, tivemos os triunfos de opositores em Costa Rica, com o Partido Acción Ciudadana (PAC); no Paraguai, com o Partido Colorado, por duas vezes; no México, com o Partido Morena. Tivemos a eleição de Nayib Bukele, em El Salvador; as três vitórias de Nicolás Maduro, na Venezuela; as duas de Daniel Ortega, na Nicarágua; e uma de Juan Orlando Hernández, em Honduras. Todos esses processos eleitorais foram muito questionados", acrescentou.

 

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"A extrema-direita avançou em inúmeros países por associar o crime à imigração. Também tirou vantagem da insatisfação pública com os partidos políticos tradicionais e com a política em geral, que têm lutado para lidar com as consequências da crise das commodities das últimas décadas, junto com a pandemia. As pessoas estão cada vez mais dispostas a abandonar os partidos tradicionais e a trocá-los por extremistas, mesmo que esses extremistas representem ameaças à democracia."
Michael Albertus, professor de ciência política da Universidade de Chicago e especialista em América Latina
 
 
"A ascensão de movimentos de direita e, em alguns casos, da extrema-direita, reflete tanto tendências globais mais amplas quanto contextos locais específios. Esses candidatos frequentemente conquistam apoio ao se posicionarem como opositores do status quo e ao proporem soluções claras, por vezes populistas, para desafios complexos. O apoio a esses movimentos ilustra ainda mais a polarização e a volatilidade presentes em muitas sociedades sul-americanas."
 
Néstor Castañeda, diretor do Instituto das Américas da University College London (UCL) 
 
 
"Na América Latina, o oficialismo tem mostrado grande dificuldade para se revalidar enquanto força política, seja por meio de um mesmo partido, seja por meio da influência eleitoral. Para se manifestar, os eleitores latino-americanos têm censurado o oficialismo e caminhado rumo à oposição. O que importa, para eles, é castigar o oficialismo. Os eleitores estão muito enojados com o governo."
 
Mariano Fraschini, doutor em ciência política e professor da Universidad de Buenos Aires (UBA) e da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso)
 

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postado em 24/12/2025 19:06
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