Guerra no Leste Europeu

Carro-bomba mata general da Rússia no sul de Moscou

Fanil Sarvarov, 56 anos, dirigia o departamento responsável pelo treinamento de militares no Estado-Maior. Carro do oficial explodiu depois de ele deixar a residência. Analistas suspeitam do envolvimento dos serviços de inteligência da Ucrânia

O Kia Sorento explodiu minutos depois de o tenente-general russo Fanil Sarvarov dirigir pela Rua Yasenavaya, em Orekhovo-Borisovo Yuzhnoye, um bairro da região sul de Moscou. O explosivo, colocado debaixo do carro, foi detonado por volta das 7h no horário local (1h em Brasília), a alguns metros do estacionamento de onde tinha saído. Sarvarov, 56 anos, comandava o departamento de formação operacional do Estado-Maior — era o responsável pelo treinamento de militares. "Os investigadores estão apurando vários motivos para o assassinato. Uma das teorias é a de que o crime foi organizado pelos serviços especiais ucranianos", anunciou o Comitê Investigativo da Rússia. Sarvarov foi o terceiro oficial de alta patente assassinado em Moscou apenas neste ano.

O ucraniano Mikhail Alexseev, professor do Departamento de Ciência Política na San Diego State University (SDSU) e especialista em Rússia e Ucrânia, alertou sobre a importância de não se tirar conclusões precipitadas ou alimentar teorias da conspiração. "Por um lado, na condição de comandante militar de alta patente, responsável por uma guerra brutal e não provocada, com o objetivo de privar a Ucrânia de sua soberania, o general Sarvarov poderia muito bem estar na lista de alvos militares da Ucrânia", afirmou ao Correio. O estudioso ressaltou que a guerra de Vladimir Putin devastou cidades inteiras, sequestrou milhares de crianças e cometeu inúmeros crimes de guerra. 

"Por outro lado, Sarvarov também serviu em intensos conflitos violentos no Cáucaso do Norte russo e na Síria. Portanto, vingança ou graves ressentimentos originados nesses locais poderiam ter motivado um assassinato", advertiu Alexseev. Ele não descarta que o general tenha sido alvo de alguém dentro da Rússia que se opunha de forma veemente à mobilização massiva de russos para a guerra com a Ucrânia ou de um cidadão ressentido pela perda de um familiar no conflito. "Sarvarov era o chefe da Diretoria de Treinamento. A rebelião de Yevgeny Prigozhin, em 2023, é um forte lembrete da gravidade desse tipo de ressentimento. E, claro, podem existir outros motivos", acrescentou. O professor da SDSU citou o levante liderado pelo mercenário fundador do Grupo Wagner, morto em um acidente aéreo suspeito em 23 de agosto de 2023, perto do vilarejo de Kuzhenkino, no norte da Rússia. 

Professor de história da Universidade de São Paulo (USP), Angelo Segrillo acredita que o modus operandi do atentado que matou Sarvarov parece incriminar os serviços de inteligência e militares da Ucrânia. "Eles costumam esperar os generais voltarem à Rússia e estudam os hábitos e as rotas dos oficiais. Mas não se pode descartar outras possibilidades. Uma das linhas de investigação envolve contrabando de materiais militares. Na Rússia, há corrupção dentro das Forças Armadas e, muitas vezes, os generais estão envolvidos. Mas, o modus operandi de toda a coisa parece indicar um ataque bem estudado e que necessitou de preparação, algo passível de um Estado", disse ao Correio

Apesar de as investigações estarem no início, Peter Zalmayev — diretor da organização não governamental Eurasia Democracy Initiative (em Kiev) — suspeita que os ucranianos estejam interessados em manter a campanha de assassinar oficiais de alto escalão implicados na guerra. "Sarvarov esteve implicado no treinamento dos soldados pouco antes da invasão. Se os ucranianos tiverem ligações com o assassinato, isso pode aumentar a moral da população, em meio ao contínuo bombardeio de cidades e à estagnação do processo de paz", afirmou à reportagem. 

Negociações

No âmbito político, o Kremlin admitiu que as negociações com os Estados Unidos para encerrar o conflito com a Ucrânia se desenvolvem com "avanços lentos". Ao mesmo tempo, o governo de Vladimir Putin denunciou "tentativas maliciosas" de algumas nações para levar as conversas ao fracasso. "Observa-se avanços lentos, acompanhados por tentativas extremamente prejudiciais e maliciosas por parte de um influente grupo de Estados que buscam prejudicar esses esforços e sabotar o processo diplomático", declarou o vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Serguei Riabkov, citado por agências de notícias russas.

Ao elogiar o desejo do presidente dos EUA, Donald Trump, de "criar soluções que abordem as causas profundas do conflito e que sejam duradouras", Riabkov criticou a postura dos países europeus em relação ao plano da Casa Branca para silenciar as armas. Um acordo russo-americano sobre a Ucrânia "é o que nossos adversários em Bruxelas e em diversas capitais europeias tanto temem, e em seus piores pesadelos, eles só podem imaginar os resultados pelos quais estamos trabalhando", disse. 

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Mikhail Alexseev, professor do Departamento de Ciência Política na San Diego State University (SDSU) e especialista em Rússia e Ucrânia
"Embora o Kremlin provavelmente planeje alguma forma de retaliação à morte do general, não acredito que isso altere significativamente o curso da guerra ou dos esforços de paz. É difícil imaginar como a Rússia poderia piorar muito a situação — todos os dias, ela lança uma média de 200 ataques com drones e mísseis de longo alcance, incluindo mísseis balísticos difíceis de interceptar, por toda a Ucrânia (os apagões em Kiev chegam a durar 16 horas); cerca de 100 ataques com bombas planadoras guiadas lançadas do ar, carregando entre 0,5 e 3 toneladas de explosivos; entre 4 mil e 5 mil bombardeios de artilharia (estes não se restringem à linha de frente; e cerca de 200 ataques de infantaria contra posições ucranianas."
Mikhail Alexseev, professor do Departamento de Ciência Política na San Diego State University 

OFICIAIS NA MIRA

Ao longo do último ano, outros dois generais foram assassinados em atentados à bomba
Yaroslav Moskalik

25 de abril de 2025 — O general de 58 anos foi morto quando passou caminhando ao lado de um Volkswagen Golf que explodiu. A bomba improvisada estava recheada de pequenas esferas de chumbo. O atentado ocorreu no bairro de Balashikha, área leste de Moscou, perto da casa de Moskalik.

Igor Kirillov

17 de dezembro de 2024 — Comandante das forças de defesa química, radiológica e biológica, tinha 54 anos quando morreu ao ser atingido pela explosão de um patinete-bomba. Ele saía do prédio onde morava, na Avenida Ryazansky (sudeste de Moscou), quando tornou-se alvo. O atentado foi reivindicado por uma fonte do Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU).

 

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Reprodução - O general Fanil Sarvarov tinha 56 anos e ajudou a combater o regime sírio de Bashar Al-Assad
Arquivo pessoal - Mikhail Alexseev, professor do Departamento de Ciência Política na San Diego State University (SDSU) e especialista em Rússia e Ucrânia