"Estamos chegando muito perto, talvez muitíssimo. Fizemos muitos progressos para acabar com essa guerra (na Ucrânia)", anunciou o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ao fim de um almoço e de uma reunião bilateral com o homólogo ucraniano, Volodymyr Zelensky, no resort de Mar-a-Lago, em Palm Beach (Flórida). Os dois chefes de Estado se reunirão com lideranças da União Europeia (UE), em Washington, no próximo mês. Trump garantiu que, em semanas, será possível saber com clareza se a guerra entre Rússia e Ucrânia poderá acabar. Também se dispôs a explicar ao Parlamento ucraniano as bases do acordo para pôr fim às hostilidades.
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O anfitrião americano classificou o conflito como "o mais mortífero e maior desde a Segunda Guerra Mundial". Ausente do encontro, o líder russo, Vladimir Putin, falou ao telefone com Trump horas antes, pela manhã. "Tive uma chamada telefônica muito boa e produtiva com o presidente Putin", assegurou Trump. A reunião em Mar-a-Lago também foi marcada por uma ligação telefônica entre Trump, Zelensky e chefes de Estado e de governo da UE.
Trump anunciou que houve avanço importante em relação aos 20 pontos do acordo de paz proposto por Kiev. De acordo com o americano, "uma ou duas questões muito espinhosas" persistem. O status quo da região do Donbass (leste), reivindicada pela Rússia como território anexado, é um dos temas pendentes. "Está por resolver, mas há muitos avanços. É um assunto muito difícil, mas creio que será resolvido", afirmou o republicano.
Antes, a Rússia pressionou o líder ucraniano a "tomar uma decisão corajosa" e retirar soldados de Donbass (leste), como condição para colocar um ponto final no conflito. "Para pôr fim (à guerra), Kiev precisa tomar uma decisão corajosa. Seria sensato tomar sem demora essa decisão sobre Donbass", declarou o assessor diplomático do Kremlin, Yuri Ushakov.
"Pronta para a paz"
Por sua vez, Zelensky avisou que a Ucrânia nunca aceitará quaisquer decisões entre EUA e Rússia sem a participação da Ucrânia. "Temos um lugar à mesa porque a guerra está em nosso território. Nosso plano de paz para a Ucrânia está 90% concluído... Vamos finalizá-lo com nossos parceiros", prometeu. "Tivemos uma grande conversa. Debatemos cada ponto do acordo. Continuaremos as conversas nas próximas semanas. A Ucrânia está pronta para paz."
Professor de política comparada da Universidade Kyiv-Mohyla (em Kiev), Olexiy Haran demonstra ceticismo em relação a um acordo de cessar-fogo próximo. "Trump tem declarado que ambos os lados desejam a paz e que Putin demonstra seriedade sobre a paz. Eu não vejo nenhum indício de que Putin queira a paz", disse ao Correio, por telefone. "Na verdade, Putin quer a paz, mas isso significa a capitulação da Ucrânia. Pelo que está sendo discutido até agora, a Rússia ganhará um presente por sua agressão: os territórios ocupados na Ucrânia. Ele também pretende controlar a usina nuclear de Zaporizhzhia.
A também cientista política ucraniana Kateryna Shtepa, especialista em Leste da Europa pelo Instituto Britânico de Assuntos Globais (em Kiev), admitiu que a perspectiva de uma solução pacífica finalmente produz resultados tangíveis. "Figuras importantes da Ucrânia e da Rússia estão discutindo abertamente a possibilidade de se chegar a um acordo mútuo, e o vice-presidente dos EUA, JD Vance, enfatizou um avanço importante: as delegações das partes em conflito começaram a trabalhar diretamente umas com as outras", destacou ao Correio. Ela disse acreditar que os ataques mútuos de Ucrânia e Rússia têm euxarido os dois países. "Sem que se obtenham resultados significativos no campo de batalha, o lento avanço das forças russas não conseguiu romper a resistência ucraniana. Isso significa que ambos os lados estão sofrendo perdas consideráveis sem conquistar vitórias. Acredito que as partes finalmente chegaram ao ponto em que a continuação da guerra seria inevitável", acrescentou.
Obstáculos
Ainda segundo Shtepa, os temas da soberania territorial e da usina nuclear de Zaporizhzhia, capturada pela Rússia em 2022, são obstáculos críticos para a paz. "Por motivos óbvios, a Ucrânia não tem intenção de entregar territórios que a Rússia fracassou em controlar. Zelensky insistirá no não reconhecimento jurídico da anexação russa desses territórios e tentará submeter a questão a um referendo nacional. A Rússia adere à lógica de que o fim da guerra deve pôr fim aos debates, finalizando as discussões sobre a apropriação dos territórios conquistados e tornando impossível uma repetição do conflito."
A analista política considera que Zelensky chegou à reunião com Trump levando argumentos válidos e razoáveis. No entanto, admitiu que o um acordo de paz é impossível sem a adoção de compromissos bilaterais. "É improvável que Trump dê ouvidos a Zelensky em uma questão que possa comprometer o acordo de paz. O americano insistirá em concessões à Rússia e, em seguida, observaremos a reação de Zelenskyy e sua ideia de uma consulta nacional (referendo). A equipe de Trump vem trabalhando há muito tempo em uma solução para encerrar a guerra, portanto, é improvável que a visita de Zelensky mude a opinião de Trump."
CONCESSÕES E COMPROMISSOS
Conheço os principais itens do plano de paz de 20 pontos para encerrar a guerra
Soberania
A Rússia aceitará afirmar a sobernia da Ucrânia. Os dois países assinaram um pacto de não agressão.
Garantias de segurança
Zelensky espera que as garantias fornecidas pelos EUA, pela Otan e pela Europa se espelhem no artigo 5 da aliança atlântica, o qual preconiza um princípio de defesa mútua. Haverá uma resposta militar e o restabelecimento de sanções, caso a Rússia torne a invadir a Ucrânia. As garantias serão revogadas se a Ucrânia atacar a Rússia.
Pacote de ajuda
Kiev receberá um pacote de desenvolvimento para apoiar a recuperação econômica no pós-guerra, incluindo a criação de um Fundo de Desenvolvimento da Ucrânia para investir em tecnologia, centros de dados e inteligência artificial, bem como investimentos no setor de gás natural ucraniano por empresas americanas.
Usina nuclear
Os dois países firmarão uma proposta de compromisso para a operação da usina nuclear de Zaporizhzhia, atualmente controlada pela Rússia. Zelensky propõe que a usina seja operada por uma empresa conjunta entre os EUA e a Ucrânia, com 50% da produção de eletricidade destinada à Ucrânia e o restante alocado pelos EUA.
Retirada russa
As tropas da Rússia se retirarão das regiões ucranianas de Dnipropetrovsk, Mykolaiv, Sumy e Kharkiv.
Paz a longo prazo
As duas partes aceitam firmar um acordo juridicamente vinculativo, com implementação monitorizada e garantida por um Conselho de Paz presidido pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Cessar-fogo
Um cessar-fogo total entrará em vigor imediatamente assim que todas as partes concordarem com o acordo.
VOZES DA UCRÂNIA
Olena Driutska, 58 anos, artista plástica, moradora de Kharkiv
"Acredito que a paz seja provável em 2026. Não especificamente uma paz, mas uma interrupção no conflito. Durante a guerra, perdi nove amigos, gente muito talentosa. Para mim, o momento mais difícil foi em março de 2022. Os aviões russos voaram sobre nossas cabeças para matar ucranianos. Escutei os mísseis voando na mesma direção. Além disso, foi um mês muito frio, bastante incomum para a nossa região."
Kateryna Shtepa, 21 anos, cientista política, moradora de Kiev
"Estou convencida de que Zelensky não concordará em reconhecer os territórios como russos, mesmo se isso 'enterrar' o acordo de paz. Haverá maior envolvimento dos EUA. Washington pode até se retirar do processo de paz se as negociações fracassarem, pois há muito em jogo no momento — das decisões de Zelenskyy e Putin dependerá se as mortes de centenas de milhares de pessoas continuarão ou se a paz finalmente chegará em 2026."
Dimko Zhluktenko, 27 anos, piloto de drone das Forças Armadas, morador de Donetsk
"Não acredito na paz, se não houver garantias reais de segurança. Não vejo nenhuma evidência crível de que a Rússia esteja disposta a concordar com qualquer plano de paz significativo. O que vimos até agora foi, na prática, uma discussão entre a Ucrânia e os Estados Unidos — dois países que não estão em guerra. A Rússia não se comprometeu com o acordo nem demonstrou qualquer disposição para aceitar suas condições principais. Se a Rússia estivesse realmente interessada na paz, poderia tê-lo demonstrado imediatamente."
