Análise

Artigo: Multa de R$ 3,51 torna o voto obrigatório?

Em análise acurada, a obrigatoriedade do voto refere-se ao ato de comparecimento à urna no dia da eleição e não à escolha do candidato, que é livre

Correio Braziliense
postado em 02/10/2022 05:00
 (crédito:  Ed Alves/CB/D.A Press)
(crédito: Ed Alves/CB/D.A Press)

JULIANO COSTA COUTO - Advogado, mestre em direito constitucional, presidente da OAB/DF 2016/2018

O voto no Brasil sempre foi obrigatório, seguindo a tradição dos demais países da América Latina. Mas será mesmo que o voto no Brasil é obrigatório para os maiores de 18 anos e menores de 70 como prevê o art. 14 da CF/88? A obrigatoriedade do voto vem atrelada à ideia de dar legitimidade ao resultado das eleições, garantindo-se a maior participação possível do eleitorado. O sistema eleitoral brasileiro, que adota o segundo turno nas eleições para o Executivo, tem o claro intuito de garantir representatividade ao eleito.

Em análise acurada, a obrigatoriedade do voto refere-se ao ato de comparecimento à urna no dia da eleição e não à escolha do candidato, que é livre. O eleitor pode, inclusive, não votar, votando em branco ou nulo. A partir do raciocínio de que o voto é obrigatório, qual é a sanção para quem deixa de cumprir seu dever? Nos termos do art. 142 da Resolução 23.669/2021 do Tribunal Superior Eleitoral, o cidadão pode não comparecer à urna e, mesmo assim, não sofrer nenhum tipo de punição. Basta que o eleitor justifique seu voto no dia da eleição, até mesmo por meio de aplicativo e-título, ou em até 60 dias após sua realização.

Diante disso, vemos que o aspecto da obrigatoriedade do voto fica combalido, visto que o cidadão pode adotar conduta contrária ao anseio da norma e, caso justifique sua ausência, não sofrerá nenhum tipo de penalidade. Caso o cidadão não vote no dia das eleições e não proceda com a justificativa, as penalidades previstas na norma são as proibições de: ter acesso a cargo ou função pública; receber vencimentos de função ou emprego público; participar de concorrência pública; obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista; tirar passaporte ou carteira de identidade; renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo.

As penalidades previstas, quando analisadas friamente, só alcançam com mais eficácia os servidores públicos, pelo fato de poder ensejar a suspensão do pagamento de seus vencimentos e não são capazes de afetar a grande maioria dos eleitores, mais ainda os de baixa renda. O direito nos ensina que as penalidades impostas pelo não cumprimento é o que torna uma conduta obrigatória. Caso o eleitor que não tenha votado nem justificado sua ausência queira se afastar das punições anteriormente previstas, basta que acesse o site do TSE ou compareça ao juízo eleitoral e solicite sua quitação eleitoral, que será expedida mediante o pagamento de multa que, hoje, varia entre R$ 1,05 e R$ 3,51, valores absolutamente incapazes de gerar qualquer tipo de compulsoriedade na conduta de ir votar.

Não obstante isso, e até mesmo por lealdade intelectual, é fato que, na cabeça dos cidadãos, o voto é obrigatório. Tal consequência é resultado da tradição brasileira, em que tal instituto sempre foi tratado como obrigatório pelas Constituições. O ponto que aqui se desejou defender foi o de que, com penalidade financeira ínfima e simbólica, temos que a sanção advinda do não exercício do dever de voto é irrisória e, também por conta disso, retira a verdadeira obrigatoriedade da conduta.

As abstenções vêm aumentando desde as eleições de 1989, quando foi de 11,9% e 14,4% no primeiro e segundo turno, respectivamente. Nas eleições de 2020, a abstenção foi de 23,15%. Tais dados demonstram que o povo talvez esteja desenvolvendo a ciência de que o dever de votar não é tão obrigatório assim, não tendo maiores problemas em caso de não comparecimento às urnas, como vem ocorrendo cada vez mais com mais contundência.

Ao final, obrigatório ou não, é importante que registremos que o mais importante é assegurar ao sistema eleitoral a verdadeira autenticidade do voto, de forma que o cidadão forme sua convicção de forma livre e consciente, sem influência das tão presentes fake news ou qualquer tipo de pressão ou manipulação. Poder exercer o direito-dever de sufrágio com plena liberdade, agindo como um governante absoluto de seu voto e dando sua contribuição para a democracia brasileira é ato cívico ou, caso não queira comparecer à urna nem justificar a ausência, se submeta à "dolorosa" multa de R$ 3,51, o que transforma o voto quase em facultativo.

 

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