Antes tarde do que nunca, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) incluiu, no seu Regulamento Geral de Competições, uma punição para casos de racismo dentro de campo. A entidade anunciou que serão três tipos de penalidades. Diante de uma primeira ocorrência, o clube poderá receber uma multa de até R$ 500 mil. Caso haja reincidência, o time poderá perder mandos de campo. Se o racismo persistir, a equipe poderá ser punida com a perda de pontos na tabela. A norma já está valendo.
A iniciativa louvável é do presidente Ednaldo Rodrigues, primeiro negro a comandar a CBF em mais de 100 anos de existência da entidade. Eleito no ano passado, ele definiu a luta contra o racismo e outras discriminações uma das prioridades de sua gestão. Com a medida, encerrou um atraso considerável da CBF e do futebol brasileiro, que sempre minimizou o problema e evitou que medidas mais drásticas, como processos na Justiça, fossem tomados.
Ao decidir punir diretamente os clubes por casos envolvendo seus jogadores e, principalmente, seus torcedores, a CBF deu um recado duro, deixando claro que os times são, sim, responsáveis pelo comportamento de suas torcidas. O anonimato que as arquibancadas sempre conferiram aos preconceituosos está, quem diria, com os dias contados.
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O racismo no futebol voltou a ganhar os holofotes do mundo nos últimos meses com a perseguição absurda que o jogador da Seleção e do Real Madrid, Vinícius Jr., vem sofrendo na Espanha. Os ataques virulentos e absurdos partem de todos os lados: torcedores, rivais em campo e até da televisão. Com apenas 22 anos, mas cheio de personalidade, ele tem respondido ao preconceito com atuações primorosas e gols de fazer cair o queixo.
Para os que sempre evitaram discutir o racismo, e são contra as punições, ser um craque de bola já seria suficiente para Vini Jr. "calar os preconceituosos". O problema é que isso é uma mentira, uma vez que os ataques ao jogador se tornaram uma constante no campeonato espanhol. No clássico contra o Atlético de Madrid, no fim do ano passado, torcedores entoaram cânticos racistas. Em um programa de televisão, um dos apresentadores chegou a dizer que o jogador deveria "deixar de fazer macaquice". O Ministério Público do país europeu arquivou três denúncias contra torcedores, alegando que as ofensas "não duraram mais do que alguns segundos". A La Liga, que organiza o campeonato espanhol, tem criticado os ataques, mas, até agora, tomou poucas medidas efetivas para barrar o racismo contra o brasileiro.
Portanto, uma vez definida a punição contra o racismo no Brasil, o grande desafio da CBF, agora, é a sua efetiva aplicação. Assim como seus colegas europeus, os clubes brasileiros são, historicamente, muito bons em terceirizar suas responsabilidades, evitando ao máximo consequências desportivas mais graves. Havia a expectativa, inclusive, de que o tema fosse levado à votação durante a reunião na CBF - o que, felizmente, não ocorreu. Ser firme e não abrir brechas ou exceções vai exigir de Ednaldo Rodrigues pulso firme e coragem para peitar a cultura do silenciamento que vigora no futebol brasileiro.
Se esse primeiro passo for efetivamente dado, não seria absurdo pensar que outros avanços possam ser feitos, principalmente contra a homofobia, ainda um dos grandes tabus envolvendo jogadores e torcidas — principalmente as organizadas.
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