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Saúde pública

Artigo: Sanitarista, enfim, como profissão: uma luta que atravessou gerações

Os sanitaristas têm um papel importante na redução das desigualdades sociais e regionais em saúde

Médico sanitarista
     -  (crédito: Reprodução/Freepik/Yeko Photo Studio)
Médico sanitarista - (crédito: Reprodução/Freepik/Yeko Photo Studio)
postado em 10/12/2023 06:00

Por: FÁTIMA SOUSA - Enfermeira sanitarista. professora associada do Departamento de Saúde Coletiva da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília (UnB)

A recente regulamentação da profissão de sanitarista é um avanço significativo na consolidação do Sistema Único de Saúde (SUS) e na proteção da saúde dos brasileiros. Esses profissionais exigem uma formação interdisciplinar e intersetorial apta a responder aos desafios contemporâneos em saúde. Atuam em áreas como planejamento, gestão, vigilância em saúde, comunicação e educação em saúde, bem como na formulação e defesa de políticas públicas e da advocacia em saúde.

Além disso, os sanitaristas têm um papel importante na redução das desigualdades sociais e regionais em saúde. Trabalham em áreas de vulnerabilidade social e em territórios com iniquidades sanitárias, como comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, e em regiões rurais e florestais. Nessas áreas, enfrentam desafios únicos, trabalhando para garantir que todos tenham acesso equitativo aos serviços de saúde, independentemente de sua localização geográfica ou condição socioeconômica.

Mas as lutas para que esse dia finalmente chegasse são antigas. Trata-se de uma vitória que atravessou gerações. A trajetória dos sanitaristas nos últimos 100 anos é uma história permeada por desafios e conquistas. Ainda que seja importante destacar a relevância de Carlos Chagas, Oswaldo Cruz e tantos outros que marcaram a época, faz-se necessário reafirmar que, a partir dos anos 1970, a saúde pública se viu diante do imperativo de construir o campo da saúde coletiva em outras dimensões, que não apenas das ações preventivistas e campanhistas. Mas, sim, compreendendo a complexidade e a diversidade dos processos de adoecimento e suas determinações à produção social da saúde.

Um outro modelo de cuidar da saúde das pessoas, das famílias e das comunidades se impôs diante de tantas crises ocorridas no país. O movimento da reforma sanitária trouxe para si o pensamento social em saúde e outras modalidades de formação dos trabalhadores que dessem conta de responder aos compromissos ético e político das principais demandas de saúde dos anos 1970 e 1980.

Com a Constituição de 1988, o SUS foi criado, marcando uma mudança radical na saúde dos brasileiros. Os sanitaristas foram fundamentais nesse processo, contribuindo com sua expertise, fruto dos cursos de residência e especialização. Começamos a assumir um leque mais amplo de funções, não mais restritas aos médicos, mas incluindo enfermeiros, dentistas, entre outros. Mas o que faz a diferença, é que, no século 21, iniciou-se a graduação para a formação do bacharel em saúde coletiva.

Dos anos 2000 para cá, os primeiros cursos de graduação em saúde coletiva surgiram, auxiliando na formação específica e multidisciplinar dos sanitaristas. A criação dos cursos surgiu na oportunidade do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni), permitindo a criação do curso em todo o país. Também surgiram os grandes debates para ampliação de vagas para professores nas universidades, a criação do Fórum de Graduação na Associação Brasileira de Saúde Coletiva e debates para a inserção da categoria no Código Brasileiro de Ocupações junto ao Conselho Nacional de Saúde. No Congresso Nacional, o envio do projeto com a finalidade de regulamentar a profissão de sanitarista, chegando à sanção da Lei presidencial.

A Universidade de Brasília (UnB) tem contribuído para a formação de sanitaristas, da graduação à pós-graduação, ofertando dois cursos de saúde coletiva desde 2008, um no campus da Ceilândia e outro no Darcy Ribeiro. Esses programas refletem o compromisso na formação de profissionais que visam a promoção e qualidade de vida e saúde, com visão holística à redução das desigualdades, preparados também para o enfrentamento de situações adversas, a exemplo da covid-19.

A Associação de Bacharéis em Saúde Coletiva teve um papel vital nesse processo, promovendo a valorização e o reconhecimento da área, e incentivando a mobilização para a incorporação desses profissionais na gestão do SUS. A luta pelo reconhecimento da profissão continua, e como sanitarista, professora, pesquisadora e militante, destaco a importância da Lei nº 14.725, sancionada em 16/11/2023, que estabelece os requisitos para o exercício da atividade profissional de sanitarista.

Mas outras lutas ainda estão por vir: a incorporação dos sanitaristas nos concursos públicos, melhores condições de trabalho, emprego e renda, com um piso salarial de base nacional, aposentadoria especial e uma carreira típica de Estado. Somente assim, asseguraremos vida longa aos sanitaristas brasileiros.

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