A princípio, a intenção era usar do espaço desta coluna para falar da violência pouco lembrada do processo de construção de Brasília, como fiz uma outra vez. No entanto, semana passada, fui surpreendido por uma ação social de ressocialização se apenados dos regimes semiaberto e aberto e egressos do sistema prisional do Distrito Federal.
Não ouso dizer que, absolutamente, todos aqueles que cometeram crimes têm a possibilidade de se reintegrar à sociedade de maneira adequada. No entanto, é preciso lembrar que a escassez de recursos, apoio familiar e as opressões sociais podem, sim, ser fatores determinantes para a entrada no mundo do crime. Não é à toa que facções costumam ser territorializadas em comunidades mais pobres.
Alguns com quem pude conversar sobre a trajetória até chegar ali não haviam concluído a educação básica. Há quem tenha passado mais tempo de vida adulta no inferno da prisão do que em liberdade. Outro, mesmo com o prazo de sentença concluído, ainda carrega a tornozeleira eletrônica, que o obriga a voltar para casa todos os dias ao anoitecer, um dos principais obstáculos para seguir em frente com os serviços de buffets, que, geralmente, são servidos em eventos noturnos.
Outra história surpreendente é a do apenado do semiaberto que decidiu concluir o ensino médio pelo Encceja e conseguiu ingressar no curso superior, aos 36 anos. "É um inferno. Foram anos em que aprendi nada. Só cela, concreto e convívio com outros presos, muitos deles faccionados", revelou ao ser perguntado sobre como era a vida no regime fechado, ao qual foi submetido por nove anos. Agarrou-se à oportunidade e foi aprovado em todas as disciplinas do semestre encerrado no fim de 2023, sem uma falta sequer.
Márcio Sousa, pedagogo que coordena a iniciativa, parceria entre o Instituto Besouro e o Senappen, órgão vinculado ao Ministério da Justiça, logo avisou para a reportagem: "Não quero saber o que eles fizeram no passado". Com muita sabedoria e sensibilidade, antes mesmo de encaminhar os presos para uma das oficinas, ele faz o trabalho de descobrir de cada um deles o sonho de vida, mesmo quando acham que perderam a capacidade de sonhar. A partir dessa descoberta, um plano de ação é elaborado para que, ao finalizar a pena, o assistido saia do sistema prisional trabalhando ou com o próprio negócio.
A ideia do projeto partiu de Juciane Prado, coordenadora-geral de Cidadania e Alternativas Penais do Senappen. A dificuldade de os presos recomeçarem a vida, arranjarem um emprego e voltarem para o mundo de forma digna foi uma das principais motivações. Quem escolhe os presos que vão participar do projeto é o Ministério Público do DF, que tem o cuidado de não enviar faccionados para o Reintegro.
A ressocialização não é apenas uma missão do Estado, mas de todos nós. A ação funcionava em Ceilândia, de onde foi expulsa após a vizinhança descobrir que ali frequentavam integrantes do sistema prisional. Em Samambaia, por outro lado, não só há a boa convivência com o projeto. Homens e mulheres participantes ajudam a comunidade com benfeitorias, como a revitalização de praças, escolas e outros equipamentos públicos. Pode parecer algo simples, mas o acolhimento deve ser o primeiro passo fundamental para o processo de cura do tecido social.
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