Artigo

A monarquia ainda vive

De forma bastante enfática, recusou-se a admitir que o nosso país foi colônia de Portugal: "Foi na verdade um prolongamento"

PRI-1303-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-1303-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 13/03/2024 05:00

Sua Alteza Imperial D. Bertrand de Orleans e Bragança esteve em visita à Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, onde foi homenageado pelo presidente José Roberto Tadros com a entrega da Ordem Nacional do Mérito Comercial (Grã-Cruz). Aproveitou o ensejo para dissertar sobre a realidade brasileira e alguns fatos da nossa história. De forma bastante enfática, recusou-se a admitir que o nosso país foi colônia de Portugal: "Foi na verdade um prolongamento".

Falou nas Constituições de 1824 e 1988, "as mais longas da nossa vida", e foi bastante simpático em relação a essa última, pois estava na presença de Bernardo Cabral, relator dessa Carta Magna, e que é sempre homenageado quando o assunto vem à tona. Citado e aplaudido.

Enquanto D. Bertrand falava, vieram-me à mente diversos fatos essenciais da nossa cultura, alguns dos quais lembrados também pelo orador, como a criação da Biblioteca Nacional e do Jardim Botânico. Isso sem contar a abertura dos portos às nações amigas, em janeiro de 1808, e que foi de grande importância para a nossa economia.

No período monárquico, os 50 anos de governo de D. Pedro II foram extraordinariamente relevantes. Ele era muito ligado às questões culturais. Chegou a se dedicar à língua hebraica, que dominava razoavelmente bem, o que para a época era um acontecimento inédito.

No livro As barbas do Imperador, a escritora e historiadora Lília Moritz Schwarcz (Editora Companhia das Letras) qualifica D. Pedro II como um monarca nos trópicos. D. Pedro II foi um grande protetor, com uma expressiva participação financeira. O próprio Imperador costumava comparecer às sessões realizadas no Paço Imperial. Como diz Lília Moritz, na obra mencionada, o imperador estava nitidamente empenhado em valorizar as atividades do IHGB. Presidiu um total de 506 sessões, no período de 1849 a 1889. Só faltava em casos de viagens. Sua preocupação se ligava à ideia de unificação nacional. Foi sua proposta de debate: "O estudo e a imitação dos poetas românticos promovem ou impedem o desenvolvimento da poesia nacional?" Ganhou assim a fama de mecenas e sábio imperador dos trópicos.

Já o projeto literário, segundo o trabalho de Lília, tomou forma em 1826. Almeida Garret chamava a atenção para a necessária substituição dos motivos clássicos em favor de características locais. Os brasileiros deveriam se concentrar na descrição da sua natureza e costume dando realce sobretudo ao índio, ao habitante primitivo e ao mais autêntico.

Em outro momento, no livro de Lília Moritz, afirma-se que "cada país tem a nobreza que merece." (pág.191). A nobreza ganhou um colorido todo especial. Os títulos eram utilizados por poucos. Mas a figura central continuou a ser sempre o rei. No Brasil houve uma distribuição controlada de títulos. O baronato virou sinônimo e marca dos grandes cafeicultores do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. Mas havia uma relação tensa entre o monarca e seus barões. Durante o segundo reinado, o Brasil se distanciou dos padrões europeus.

Do ponto de vista da educação, pode-se inferir que a sociedade tem sua gramática. E ela precisa ser estudada. Assim, surgem também as regras de etiqueta, polidez, civilidade, cortesia e urbanidade. Só assim se adquire o passaporte para entrar nas casas nobres, como se aprendeu nos salões de Paris.

Lembrando Gilberto Freyre, rapazes e moças eram incentivados pelos pais a ler as obras dedicadas à etiqueta.

Recorrendo ao folclorista Câmara Cascudo, podemos citar o que chamávamos de império do Divino. Quando a monarquia chegou ao Brasil, o imperador do Divino já era uma figura popular e reconhecida. O pequeno "rei divino" servia de modelo para o "rei real". Quando D. João chegou ao Brasil, em 1808, já se contava com essas festas, que ocorriam por ocasião da festa de Pentecostes. A população em sua quase totalidade costumava aderir às festas do Espírito Santo. As festas costumavam acontecer nas cidades próximas ao Rio de Janeiro.

Elas eram muito populares no interior e também na Corte. Eram notáveis os rituais em que figurantes mestiços representavam uma luta aguerrida entre cristãos e mouros. As Cavalhadas tornaram-se populares. Surgem assim também as Congadas, em que o Rei do Congo é o rei dos cristãos. Registra-se uma congada em 1814, no estado de Pernambuco.

E assim se faz a nossa história. Os bailes mascarados ocorriam desde 1835. O carnaval chegou ao Brasil importado de Portugal, mas começou como festa das elites. Só em 1855 é que ganhou as ruas, como hoje se expressa, com os carros alegóricos que são bastante característicos. E hoje é aquele sucesso extraordinário.

*Arnaldo Niskier é da Academia Brasileira de Letras e presidente honorário do CIEE/RJ


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