Editorial

Visão do Correio: Senado renova cotas raciais em concursos públicos

Na compreensão dos movimentos antirracistas, a diversidade no setor público é mais uma política de enfrentamento à discriminação que ainda contamina parcela expressiva da sociedade brasileira

A Lei de Cotas foi instituída em 2014 e tem vigência programada para dez anos -  (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)
A Lei de Cotas foi instituída em 2014 e tem vigência programada para dez anos - (crédito: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O Senado aprovou ontem, por votação simbólica, o Projeto de Lei nº 1.958/2021, que renova, com alterações, cotas raciais em concursos para preenchimento de vagas no serviço público federal. Nesta semana, o Movimento Negro Brasileiro e a sociedade civil divulgaram carta, assinada por mais de 500 organizações, em que cobravam do Legislativo a aprovação da nova lei. O novo texto reduziu de 25 para 10 anos a validade da norma, que contempla, além dos negros, quilombolas e indígenas. Impediu ainda que as vagas não preenchidas possam ser repassadas para outros concursos.

A vigência da lei atual — 12.990/2014, sancionada pela então presidente Dilma Rousseff — perde validade em 9 de junho próximo. O projeto será enviado à Câmara dos Deputados. Se aprovado, seguirá para o Palácio do Planalto para sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva

Os negros somam 56% da população brasileira, mas, entre os mais de 1 milhão de servidores da União, eles são 35% no serviço público federal. No Congresso Nacional, a representatividade é bem menor: 22% das cadeiras do Senado, e 26% da Câmara dos Deputados. Levantamento do Movimento Negro Brasileiro revela que a falsa abolição da escravidão se manifesta de diferentes formas na realidade vivenciada por pretos e pardos. Os negros são "maioria nos trabalhos domésticos com salários baixíssimos; maioria dos resgatados nos trabalhos análogos à escravidão (84%); 40% vivem em situação de pobreza; de cada 10 moradias inadequadas, sete são nossas; correspondem a 70% da população carcerária; de cada 10 pessoas assassinadas, oito são pretas ou pardas". E mais: menos da metade das vagas nas universidades públicas e privadas é ocupada pelos afrodescendentes.

O aumento do percentual das cotas representa um passo largo em direção à paridade entre negros e não negros no serviço público. Projeções do Ministério da Gestão e Inovação e do Observatório de Pessoal da pasta, indicam que, mantida a cota de 20% vaga, como estabelecido na atual lei, só em 2060 a representatividade chegaria a 48%. Com alteração recomendada pela Comissão de Juristas de Combate ao Racismo, criada pela Câmara dos Deputados, a cota de 30%, haverá uma redução de 13 anos (2047) para que 50% dos servidores da administração federal sejam pretos e pardos.

A versão atualizada das cotas étnico-raciais no serviço público avança à medida que estabelece regras que impedem fraudes nos concursos. A autodeclaração exigirá uma verificação, com base na definição do Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), para pretos e pardos, assim como ocorre nas universidades federais. Abre caminho também para que os aprovados tenham ascensão profissional no setor público federal.

Na compreensão dos movimentos antirracistas, a diversidade no setor público é mais uma política de enfrentamento à discriminação que contamina parcela expressiva da sociedade brasileira. Submeter pretos, pardos e quilombolas a condições desumanas e preconceituosas é atitude descabida em um país que se caracteriza pela pluralidade étnica e cultural. Mudar o perfil do Estado é um passo relevante na luta contra o racismo e um gesto de reparação ao sofrimento imposto ao povo negro pela sua enorme contribuição ao desenvolvimento econômico do país.

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postado em 23/05/2024 06:00 / atualizado em 23/05/2024 10:05
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