Clima

Um veto contra a transição justa

Estudos técnicos citados no aumento de custo da energia para o consumidor final usaram premissas equivocadas. Não consideraram que as usinas a carvão têm o menor custo das usinas termelétricas e que beneficiam o consumidor, principalmente em momentos de crises hídricas

Luiz Cláudio Allemand, advogado, mestre em direito, LL.M. pela Steinbeis University Berlin, Diretor Jurídico da FIESP, membro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO/SP e Presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem da Federação das Indústrias do Espírito Santo.

 -  (crédito:  Divulgação)
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Luiz Cláudio Allemand, advogado, mestre em direito, LL.M. pela Steinbeis University Berlin, Diretor Jurídico da FIESP, membro do Conselho Superior de Direito da FECOMERCIO/SP e Presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem da Federação das Indústrias do Espírito Santo. - (crédito: Divulgação)

Fernando Luiz Zancan, presidente da associação Brasileira de carvão mineral

O conceito de transição justa vai além do Acordo de Paris e está alinhado com iniciativas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que define a transição justa  como "uma transição para economias e sociedades ambientalmente sustentáveis, que seja bem gerida e contribua para a criação de trabalho decente para todos, inclusão social e erradicação da pobreza." Esse princípio também está presente na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que busca integrar os objetivos climáticos com justiça social e econômica. No Acordo de Paris, a transição energética justa é vista como essencial para "proteger trabalhadores e comunidades de impactos negativos das políticas climáticas, como a desindustrialização ou perda de empregos em setores dependentes de combustíveis fósseis".

Na Convenção do Clima, o Brasil está representado no Comitê de Peritos de Katowice (Polônia) sobre os Impactos da Implementação de Medidas de Resposta (KCI). Esse comitê, estabelecido em 2018 durante a COP24, em Katowice, é composto por especialistas de diferentes países, incluindo o Brasil, que contribuem com suas experiências e conhecimentos para avaliar e mitigar os impactos socioeconômicos das medidas de resposta às mudanças climáticas. Nos documentos do governo do Brasil, na ocasião, está escrito que "a participação brasileira no KCI reflete o compromisso do país em promover uma transição energética justa e em considerar os efeitos das políticas climáticas sobre a economia e a sociedade".

O mesmo documento ainda destaca: "a presença de especialistas brasileiros no comitê assegura que as perspectivas e necessidades nacionais sejam consideradas nas discussões e recomendações globais sobre medidas de resposta". Esse é o verdadeiro compromisso do Brasil na Convenção do Clima. Ao vetar o PL 576/21, no último dia 10, impedindo a recontratação das usinas a carvão, o presidente Lula vai na contramão desses princípios. Por desinformação ou pressões de grandes conglomerados, o veto interrompe uma atividade que responde por apenas 0,3% das emissões de CO2 no Brasil para provocar o empobrecimento de 40 municípios do Sul do Brasil, que perderão, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), R$ 107 bilhões de valor agregado, R$ 40 bilhões de tributos e R$ 27 bilhões de massa salarial. Como consequência direta do veto presidencial, 36,2 mil famílias serão afetadas, sem qualquer ganho significativo para o meio ambiente. Isso, sim, é estar desalinhado com o Acordo de Paris. O custo-benefício, social, econômico e ambiental não faz sentido para um país pobre como o Brasil.

Por outro lado, os estudos técnicos citados no aumento de custo da energia para o consumidor final usaram premissas equivocadas. Não consideraram que as usinas a carvão têm o menor custo das usinas termelétricas e que beneficiam o consumidor, principalmente em momentos de crises hídricas. Estudos da Consultoria Thymos Energia mostraram que, de 2006 até 2023, a operação do Complexo Jorge Lacerda, em Santa Catarina, economizou mais de R$ 10 bilhões para o consumidor brasileiro. Durante eventos críticos — como no apagão de agosto de 2023 e nas enchentes do Rio Grande do Sul, em maio de 2024 — as usinas de carvão evitaram um colapso nos sistemas do sul do Brasil.  Os estudos técnicos não mostraram ao presidente que os grandes beneficiados pela mudança de contrato na recontratação das usinas a carvão seriam a Dona Maria e seu João, que teriam suas tarifas reduzidas.

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Portanto, as razões para o veto do artigo 22, no que se refere ao carvão, foram baseadas em informações equivocadas e o resultado será péssimo para as economias e a população do sul do Brasil, em especial para as regiões mineiras. Infelizmente, o estigma, a desinformação e os interesses de grandes corporações usam um discurso eurocentrista para fomentar a tomada de decisões de políticas públicas que não vêm em benefício da sociedade brasileira.

 


Fernando Luiz Zancan - Opinião
postado em 27/01/2025 06:00 / atualizado em 27/01/2025 06:34