Artigo

Financiando a transformação da educação pública antirracista

No Brasil, o racismo é o principal fator gerador de desigualdades, segundo Pesquisa de Percepções sobre o tema, do Projeto Seta e Instituto Peregum

 DAVID ARCHER. Diretor de Programas da ActionAid Internacional e representante global do Projeto Seta -  (crédito: arquivo Pessoal )
DAVID ARCHER. Diretor de Programas da ActionAid Internacional e representante global do Projeto Seta - (crédito: arquivo Pessoal )

David Archer — Diretor de Programas da ActionAid Internacional e representante global do Projeto Seta

Os sistemas de educação pública ao redor do mundo são cronicamente subfinanciados e desiguais. Embora a educação devesse ser a força mais poderosa para promover a igualdade, o seu acesso e o sucesso na educação estão cada vez mais estratificados, o que reforça as injustiças históricas, que deveriam ser combatidas.

Os dados mais recentes mostram que, aproximadamente, 8 mil dólares, cerca de  R$ 40 mil reais, são gastos, anualmente, na educação de uma criança em países de alta renda, enquanto apenas 55 dólares, o equivalente a R$ 330  por criança, são gastos, no mesmo período, em países de baixa renda, ou seja, cerca de 155 vezes a menos.

No Brasil, a Pesquisa Percepções sobre o Racismo no Brasil, do Projeto Seta (Sistema de Educação para uma Transformação Antirracista) e Instituto Peregum (2023), revelou que o racismo é o principal fator gerador de desigualdades, uma vez que 81% dos entrevistados afirmaram que o país é racista, e 64% dos jovens de 16 a 24 anos relataram que os contextos educacionais são os locais onde mais vivenciam o racismo. 

Embora exista a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, as agendas de políticas de educação globais e nacionais quase nunca abordam o racismo diretamente. Temos duros desafios, pois o racismo assume formas distintas e tem histórias particulares em diferentes países. Porém, existem raízes comuns significativas nas histórias estruturais contínuas de colonialismo, etnonacionalismo e despossessão indígena.

No último ano, o Projeto Seta, composto pelas organizações ActionAid, Ação Educativa, Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Conaq, Geledés, Makira-Eta e a UNEafro Brasil, tem mapeado iniciativas ao redor do mundo que buscam enfrentar as questões de discriminação racial na educação, compreendendo diversas intervenções educacionais antirracistas e o trabalho que está sendo feito para construir movimentos de educação antirracista em diferentes contextos locais e nacionais.

 O escopo dessa atividade no Brasil disponibiliza ideias dos investimentos necessários para, realmente, implementar um sistema público de educação antirracista. Para isso, é necessário apoiar o diálogo intergeracional sobre racismo e educação nos lares, escolas, locais de trabalho e na mídia. É preciso, também, um diálogo político sobre educação antirracista nos níveis federal, estadual e municipal. Educadores e gestores educacionais precisam ser treinados e apoiados com bons recursos de educação antirracista.  

O aumento de investimentos é claramente necessário para alcançar o objetivo, mas esses investimentos são difíceis de fazer em um sistema de educação pública subfinanciado, seja no Brasil, seja em qualquer outro país. 

O financiamento doméstico será sempre a chave. A Comissão de Educação observa que 97% do financiamento da educação vem de fontes domésticas, e, mesmo em países de baixa renda, apenas 12% do financiamento da educação vem de ajuda ou empréstimos. No entanto, o discurso global sobre educação é dominado pela indústria de ajuda, com doadores frequentemente exercendo um enorme poder sobre a direção das reformas educacionais em países de baixa e média rendas. 

 Os países preocupados com o financiamento da educação precisam ser capazes de aumentar suas receitas tributárias por meio de reformas fiscais progressivas - o que é difícil quando as regras fiscais globais foram definidas por 60 anos pelos países ricos da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), facilitando fluxos financeiros ilícitos.  

Um novo briefing, lançado na Reunião Global de Educação da Unesco, intitulado Dear Ministers of Finance (Caros ministros de finanças), delineia como existem alternativas que os ministros da Fazenda podem traçar para um caminho diferente que transforme o financiamento da educação. Por meio de ações sobre impostos, dívida e austeridade, é possível liberar os recursos necessários para criar sistemas de educação pública mais equitativos, de melhor qualidade e antirracistas. Mas isso requer uma mudança da visão de mundo (às vezes, sutilmente) racista que moldou tanto a educação quanto a formulação de políticas econômicas por gerações. Enquanto isso, na mesma Reunião Global de Educação, uma carta aberta também foi publicada, convocando a comunidade educacional global a pôr a educação antirracista no centro dos debates políticos futuros.

David Archer - Opinião
postado em 03/02/2025 06:01
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