
A dificuldade dos governos em conter a ação das facções criminosas nos presídios brasileiros — onde, inclusive, boa parte delas surge — é histórica, como mostram o noticiário e dados oficiais. O cenário, porém, parece estar ficando ainda mais complexo. A partir da análise de gravações feitas com autorização judicial, o serviço de inteligência do Ministério da Justiça (MJ) trabalha com a hipótese de que criminosos tradicionalmente rivais estão fechando parcerias dentro das penitenciárias. Um dos principais objetivos seria aumentar a pressão para amenizar o tratamento concedido a presos de alta periculosidade, mas não se pode descartar os efeitos dessas alianças inéditas para além das grades.
Segundo relatório da pasta, presos do Primeiro Comando da Capital (PCC) e do Comando Vermelho (CV) articulam o pacto com a ajuda de advogados. As duas facções, que estão entre as mais antigas e maiores do país, têm presença expressiva nos presídios. Edição mais recente do Mapa de Orcrim (organizações criminosas), produzido pelo MJ, mostra que, em 2024, o PCC atuava no sistema carcerário de 24 estados (eram 23 no ano anterior). O CV também aumentou a capilaridade no período, de 21 para 22.
Só com esse retrato, não é exagero concluir que a cooperação entre PCC e CV colocaria em xeque uma das principais medidas adotadas para enfraquecer as facções no presídio: a transferência de criminosos. Para piorar, é sabido que, dentro das cadeias brasileiras, organizações menores, mesmo tendo regras próprias, exercem uma espécie de função assistencial às maiores. Especialistas calculam que exista ao menos uma centena de grupos do tipo. De 2022 a 2024, o Ministério da Justiça conseguiu mapear 88, dos mais antigos aos locais.
Fora das prisões, um dos riscos é de que o pacto entre as facções favoreça operações principalmente voltadas para a conquista de novos mercados. Nesse sentido, torna-se ainda mais urgente uma resposta efetiva do poder público ao avanço desses grupos criminosos na Região Norte, já marcado por violentas disputas por rotas fluviais que facilitem o tráfico de drogas e armas para outros estados brasileiros e países vizinhos.
A instituição nesta segunda-feira do Grupo Nacional de Apoio ao Enfrentamento ao Crime Organizado (Gaeco Nacional) é uma estratégia que pode frear a ousadia dos criminosos. A intenção é de que o órgão compartilhe expertise e informações entre as unidades do Ministério Público e órgãos de inteligência para combater crimes praticados em âmbito interestadual por facções criminosas. Mas só o novo Gaeco não é suficiente. Listas de soluções indicadas por especialistas incluem ainda medidas como repressão mais eficaz à associação de policiais e militares com criminosos, investimento em inteligência para desmonetizar as facções e melhorias na atuação das forças de segurança nas fronteiras.
Ao Correio, o diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio de Lima, enfatizou a necessidade de modernizar a gestão das cadeias. Segundo ele, o manejo eficaz de presos faccionados passa por avanços nas análises de risco e nos protocolos, considerando as particularidades de cada unidade prisional. São mais de 1,5 mil no país, entre as estaduais e federais, abrigando a terceira maior população carcerária do mundo. Trata-se, sem dúvidas, de um sistema complexo e multifatorial a ser aperfeiçoado. Diante de um novo nível de articulação criminosa, porém, fazê-lo é vital para a sobrevivência do Estado e das instituições.