ARTIGO

A implementação do POP e a luta pela liberdade religiosa

O POP da Diversidade orienta a atuação policial em crimes contra a liberdade religiosa e o acolhimento às vítimas no DF. Oxalá seja levado aos estados brasileiros

PRI-2806-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2806-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

MÃE LEILA, mestre Auaracyara, sacerdotisa dos terreiros Luz de Yorimá e Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino noDF

Desde a abolição da escravatura, em 1888, a cultura e as tradições dos escravizados libertos, como o samba, a capoeira e as religiões de matriz africana, enfrentaram um processo de marginalização e discriminação sistêmica no Brasil. A perseguição a essas expressões culturais estigmatizadas e, por vezes, criminalizadas reflete um legado de intolerância que persiste até hoje. Historicamente, diversos tipos penais foram criados para criminalizar a existência negra no espaço público, houve leis que criminalizavam a mendicância, a capoeira e a "magia", que se referia às religiões afro-brasileiras.

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Nesse contexto, as forças policiais emergem como um braço do racismo estrutural, perpetuando a marginalização de comunidades negras e de suas tradições culturais e religiosas. Um exemplo marcante dessa criminalização ocorreu na década de 1920, quando a capoeira foi proibida oficialmente, rotulada como uma atividade violenta e subversiva, evidenciando como as expressões culturais afro-brasileiras eram percebidas sob uma lente distorcida e preconceituosa.

Diante desse cenário, a história das religiões afro-brasileiras no Brasil é uma narrativa de resistência contra essa discriminação persistente. Como líder dos terreiros Luz de Yorimá e Ordem Iniciática do Cruzeiro Divino (DF), luto pela preservação das religiões afro-brasileiras, pela liberdade religiosa e pela laicidade do Estado.

A questão do racismo e da discriminação também tem sido pauta no Supremo Tribunal Federal (STF) em decisões importantes que, felizmente, reforçam a proteção aos direitos das minorias. Em julgamentos, como o da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental ( ADPF 186), que reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais, e a ADPF 635, também conhecida como ADPF das Favelas, o STF tem se posicionado firmemente contra práticas discriminatórias. 

Em 2024, a Corte Suprema julgou o habeas corpus 208.240, estabelecendo diretrizes claras contra o perfilamento racial em abordagens policiais, reforçando que buscas pessoais devem ser fundamentadas em evidências concretas e não podem se basear em raça, etnia, religião ou características físicas. Essa decisão é um passo significativo na proteção da intimidade e na limitação de abusos, frequentemente dirigidos a comunidades negras.

Fruto da mobilização social, em especial dos povos de terreiros e do diálogo entre a sociedade civil e as autoridades, incluindo o Comitê Distrital da Diversidade Religiosa, do qual participei por quatro anos, o lançamento do Procedimento Operacional Padrão (POP), pela Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou Orientação Sexual (Decrin), atualmente, sob a liderança das delegadas Ângela Maria dos Santos e Cíntia de Carvalho e Silva, representa um avanço e esperança.

O POP da Diversidade orienta a atuação policial em crimes contra liberdade religiosa e o acolhimento às vítimas e determina que todas as pessoas de crença religiosa ou convicções filosóficas, incluindo as que não professam nenhuma fé, sejam atendidas de forma humanizada. De acordo com o documento, o registro de crimes contra a liberdade religiosa requer atenção redobrada por parte do(a) policial, levando em conta a maior condição de vulnerabilidade da vítima. É uma benesse para toda a sociedade. É sabido que a maioria das vítimas é de comunidades de terreiro. Nesse sentido, o POP chama atenção para as opressões cruzadas entre diferentes marcadores sociais de gênero, raça e classe.

Como sacerdotisa, minha missão transcende os limites físicos de meus espaços religiosos — no terreiro —, levanto minha voz onde for necessário, pois a luta pela diversidade religiosa é, em essência, uma luta por direitos fundamentais. Nesse sentido, parabenizo em especial à Decrim por essa iniciativa pioneira no Brasil. Espero que sirva de lenitivo diante das violências e discriminações que, frequentemente, atingem nossos terreiros e, por vezes, agravadas pelo tratamento dispensado às vítimas de racismo religioso ao buscar proteção estatal. Oxalá esse POP seja levado aos estados brasileiros.

Seguimos na luta pela preservação das religiões afro-brasileiras e pela justiça social, trilhando o caminho que me foi designado pelos ancestrais ilustres e orixás que me guiam e por minha mãe espiritual, mãe Maria Elise Rivas. Essa batalha não é só nossa, mas de todos e todas que respeitam a Constituição brasileira.

 

Por Opinião
postado em 28/06/2025 06:00
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