
Adiar decisões e o cumprimento de leis é uma triste rotina no Brasil. Em 2 de agosto de 2024, todos os lixões do país deveriam estar extintos, como determinou a Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.305, de 2010). Hoje, 15 anos depois, há mais de 3 mil lixões em operação, ou seja mais de 50% dos municípios brasileiros ainda praticam o descarte incorreto de resíduos a céu aberto.
O impacto dos lixões não se restringe ao meio ambiente — solo e corpos hídricos. Os lixões são nocivos aos humanos, tanto por afetar os ecossistemas, quanto pela proliferação de doenças, como leptospirose, dengue, febre tifoide, cólera, disenteria entre outras, que proliferam na água e por aninharem vetores de outras moléstias.Para o biólogo Antonio Aguiar, professor da Universidade de Brasília, quem paga pelo descumprimento das leis, no fim, são as comunidades próximas aos depósitos inadequados de resíduos ou atingidas por algum desastre que comprometa o ambiente onde residem.
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Geralmente são comunidades de baixíssima renda, desprovidas de serviços públicos adequados, como rede de saúde, entre outros equipamentos necessários ao seu bem-estar. Foi assim, com a tragédia de Brumadinho, com o rompimento da barragem de uma mineradora e, mais recente, com o Rio Descoberto, afetado pelo colapso do Aterro Sanitário Ouro Verde, no município goiano de Padre Bernardo, vizinho do Distrito Federal.
Entre as cidades que não dispõem de aterro sanitário, como estabelecido em lei, está Belém do Pará, que, em novembro próximo, sediará a Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas, a COP30. No início desta semana, a Câmara Municipal da capital paraense instalou uma CPI para apurar um possível superfaturamento no contrato da prefeitura e do consórcio Ciclus Amazônia. A prefeitura alega dificuldades para encontrar um local adequado à destinação do lixo, uma vez que a coleta seletiva é baixa na cidade — só 2% dos resíduos recicláveis chegam às cooperativas.
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Por sua vez, o Congresso Nacional tende a flexibilizar as regras do licenciamento ambiental, a fim de unificar e facilitar as intervenções no meio ambiente. Não mantém nenhuma barreira de proteção às áreas ocupadas pelos povos originários, tradicionais, de preservação ambiental, o que facilita invasões de territórios e desmatamentos. Para o Ministério do Meio Ambiente, a proposta representa "desestruturação significativa" da atual legislação e confronta o artigo 225 da Constituição Federal, que garante aos cidadãos brasileiros o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, com exigência de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de qualquer obra ou atividade que possa causar prejuízos ambientais.
A mudança na legislação até agora vigente não impedirá, portanto, a instalação de lixões em quaisquer locais, comprometendo seriamente a qualidade de vida dos cidadãos. Essa possibilidade, ainda que não esteja explícita, pode prevalecer, uma vez que não haverá necessidade de estudo prévio nem restrições à instalação de lixões ou aterros sanitários. Trata-se de ações conflitantes com qualidade de vida da população, quando o poder público tem como missão precípua garantir o bem-estar da sociedade em todos os sentidos.