Visão do Correio

Formação de médicos requer debate profundo

O debate sobre o avanço das graduações de medicina deve considerar sobretudo as demandas de quem aprova o aumento do número de médicos sem ter interesses financeiros nisso

. -  (crédito: Pexels)
. - (crédito: Pexels)

Nos últimos dois anos, o Brasil tem assistido a uma abertura desenfreada de cursos de medicina. A justificativa do Ministério da Educação (MEC), órgão que autoriza a criação das instituições de ensino, é a pouca oferta de médicos em determinados municípios e, consequentemente, a escassa prestação de serviços de saúde em algumas regiões, com destaque para as áreas mais remotas e periféricas do país. 

No entanto, representações médicas — contrárias à abertura desmedida de graduações e à queda de qualidade das instituições de ensino — alegam que, mesmo que os futuros profissionais estudem em faculdades de cidades menores ou mais distantes, não significa que eles permanecerão na região. O que geralmente ocorre, justificam, é um êxodo para as grandes cidades e para polos em que há demanda por serviços médicos e condições de trabalho consideravelmente melhores.

Antes do programa Mais Médicos, lançado em 2013 pelo governo federal, havia cerca de 100 escolas de medicina no Brasil. Atualmente, são mais de 400, e o Conselho Federal de Medicina (CFM) tem divulgado, a partir de consultas ao MEC, que outras 292 aguardam um parecer do Executivo federal para serem criadas. Se aprovadas, o número de instituições no país chegaria a quase 700.

  • Leia também: Brasileiros invadem perfis do governo da Indonésia com críticas ao resgate de Juliana Marins

  • Leia também: Morcegos desafiam a morte: o segredo genético por trás da longevidade e resistência ao câncer

  • Leia também: Adolescente que matou pais e irmão pesquisou na internet "como receber FGTS de falecido"

Na tentativa de elevar a qualidade da formação de futuros médicos e os serviços prestados à população, o CFM e a Frente Parlamentar Mista da Medicina (FPMed), formada por deputados e senadores, apresentaram no Congresso Nacional, no ano passado, o Projeto de Lei 2.294/2024, criando o Exame de Proficiência em Medicina. Seria uma espécie de Exame da Ordem (OAB), feito para os bacharelados em direito, só que para graduados em medicina.

Os defensores do PL acreditam que a implantação do teste — inclusive exigido em dezenas de países — avaliaria competências profissionais e éticas, conhecimentos teóricos e habilidades clínicas com base em padrões mínimos para o exercício da profissão, reduzindo, assim, erros de diagnóstico, prescrição e conduta, muitos com danos irreversíveis aos pacientes e aos sistemas público e privado de saúde. O PL aguarda parecer da Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado.

Fato é que abrir escolas de medicina virou uma atividade lucrativa em decorrência de incentivos fiscais, créditos tributários, redução de valores do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISS), do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), parcerias público-privadas, além de ser um atrativo a mais para os municípios. Daí a importância de uma análise consistente sobre o avanço das graduações, considerando sobretudo quem aprova o aumento do número de médicos no país sem ter interesses financeiros nisso. 

Nesse debate, também é fundamental uma profunda reflexão acerca do nível dos profissionais que estão sendo formados. Sem falar em outras questões delicadas ligadas à temática, como a judicialização do ensino médico (abertura de escolas via liminar), os lobbies nas negociações e a contratação de não médicos para aulas do ensino básico e do clínico. Trata-se, portanto, de uma discussão complexa e que não deve ser apressada, sob o risco de equívocos resultarem em desdobramentos dolorosos para a população brasileira.

 

 


Por Opinião
postado em 27/06/2025 06:00
x