
EDSON FERREIRA LIBERAL, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e CLÓVIS FRANCISCO CONSTANTINO, pediatra e professor de ética e bioética da Unisa
A obesidade tem se apresentado como uma ameaça real à saúde de crianças e adolescentes. A mudança no estilo de vida ao longo dos últimos anos tem contribuído para o aumento de peso em todas as faixas etárias, inclusive, na infância e na adolescência. A revista científica The Lancet publicou um estudo, no mês passado, que é um verdadeiro alerta sobre a saúde infantojuvenil. Em cinco anos, um a cada quatro adolescentes será obeso ou estará acima do peso.
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Também em maio, o Conselho Federal de Medicina (CFM) passou a reconhecer a realização de cirurgia bariátrica a partir dos 14 anos de idade. A medida vale para adolescentes com obesidade grave, com índice de massa corporal (IMC) acima de 40, associada a complicações clínicas, desde que com a devida avaliação da equipe multidisciplinar e consentimento dos responsáveis, sem a necessidade de comprovação de tratamento ineficaz anterior.
Ao analisar essas duas informações, precisamos refletir sobre a saúde dessa geração, que foi amplamente impactada pela covid-19. Infelizmente, a frequência e a gravidade da obesidade em crianças e adolescentes intensificaram-se durante e após a pandemia. As consequências já começam a aparecer. As comorbidades associadas à obesidade aumentaram, como diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemia, apneia do sono, entre outras.
Inclusive, recentemente, a Academia Americana de Pediatria publicou em seu Guia de Conduta uma série de atualizações sobre as diretrizes de tratamento da obesidade. Entre as recomendações, destaca-se que a obesidade na faixa etária pediátrica deve ser tratada de forma oportuna e individualizada, incluindo suas morbidades associadas. Essa também é uma orientação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Nesse escopo, a base do tratamento deve ser sempre a mudança do estilo de vida (apoiado pela família), mas o uso de medicamentos e, em situações específicas, procedimentos cirúrgicos, como a cirurgia bariátrica, ganham espaço no cenário atual. Porém, a indicação de cirurgias não deve ser uma decisão isolada, mas ter acompanhamento rigoroso do crescimento e desenvolvimento desses adolescentes antes, durante e depois do procedimento cirúrgico.
É preciso salientar que o pediatra é profissional indispensável na composição da equipe multidisciplinar que fará a indicação e o acompanhamento desses indivíduos ao longo de todo o processo. Reforçar essas questões traz mais segurança na indicação e no acompanhamento desse grupo, porque sabemos que a bariátrica sem acompanhamento e mudança no estilo de vida não gera benefícios duradouros.
Além do risco de novo ganho de peso, quando o paciente (por inúmeros motivos) não consegue manter uma alimentação saudável, é preciso pensar também na deficiência nutricional e nos aspectos psicológicos, em especial num adolescente. Por isso, o acompanhamento multiprofissional é item obrigatório. Mas qual a possibilidade real da permanência desses cuidados uma vez que significa inseri-los no orçamento familiar já tão apertado da maioria das famílias brasileiras?
Outro ponto importante a se pensar após a bariátrica é o excesso de pele, resultante do emagrecimento. É claro que existem cirurgias plásticas reparadoras e estéticas, mas a questão é como um adolescente vai lidar com sua imagem até passar por esse procedimento. Afinal, o Sistema Único de Saúde (SUS) atende a 70% da população, e a espera por uma cirurgia pode levar anos.
A obesidade é multifatorial — decorrente de questões genéticas, metabólicas, sociais, psicológicas e até ambientais — é um problema de saúde grave e complexo, que não será solucionado de forma única nem definitiva num centro cirúrgico ou com aplicações de "canetas mágicas". O tratamento da obesidade exige mudança de estilo de vida, sim, mas também políticas públicas eficientes e consistentes.
Medidas precisam ser tomadas para garantir alimentos mais baratos e saudáveis, o que inclui revisão do percentual de adição de açúcar, sódio e aditivos químicos, assim como de agrotóxicos. Inclui também espaços públicos equipados e convidativos para prática de atividade física, diminuição do tempo de tela e ampliação da licença-maternidade (de quatro para seis meses) e paternidade (de cinco dias para dois meses, como propõe projetos de leis), porque uma vida saudável requer cuidado, tempo e começa nos primeiros meses de vida. Se os pais não tiverem tempo, o que restará a essa criança a não ser mingaus prontos com excesso de açúcar? Por isso, o combate à obesidade é complexo e exige uma mudança profunda em toda a sociedade.
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