ALEXANDRE COELHO, professor de Relações Internacionais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP)
A escalada militar entre Israel e Irã expôs um novo teste geopolítico para a China. O conflito, desencadeado após ataques israelenses a infraestruturas estratégicas iranianas, incluindo instalações nucleares e refinarias, seguido da imediata retaliação de Teerã, colocou Pequim sob os holofotes da diplomacia internacional. Mais do que um choque regional, o episódio reabriu o debate sobre até que ponto a China poderá atuar como mediadora confiável em uma das zonas mais instáveis do mundo.
Pequim reagiu com rapidez e retórica assertiva. Condenou publicamente a ofensiva de Israel, classificando-a como uma violação da soberania iraniana e um fator de desestabilização regional. O chanceler chinês Wang Yi manteve contatos telefônicos com os ministros das Relações Exteriores de Israel e Irã, apelando ao diálogo e oferecendo o que chamou de "papel construtivo" da China na busca por uma solução pacífica.
Embora muitos analistas apontem limitações na capacidade imediata da China como mediadora, há argumentos sólidos que sustentam o contrário. Pequim não carrega o histórico de envolvimento militar direto na região, tampouco tem laços religiosos ou ideológicos que a aproximem de um dos lados. Não é vista por Israel como um inimigo estratégico, nem pelo Irã como um ator hostil. Pelo contrário: a China tem ampliado sua presença comercial e diplomática junto dos dois países ao longo da última década.
No caso iraniano, essa relação é ainda mais profunda. A dependência de Teerã da parceria com Pequim se intensificou especialmente após a saída dos Estados Unidos do Acordo Nuclear durante o governo Trump e o subsequente fracasso das tentativas de renegociação durante as administrações seguintes. A imposição de sanções unilaterais e a pressão para que o Irã abandone, inclusive, o enriquecimento de urânio para fins pacíficos minaram, de forma estrutural, a confiança de Teerã em Washington como um interlocutor crível.
Além disso, a China possui significativa alavancagem econômica sobre o Irã, tanto como compradora de petróleo quanto como parceira tecnológica e diplomática, o que potencialmente lhe confere instrumentos de pressão e persuasão em uma futura mesa de negociação .
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No entanto, os limites dessa ambição diplomática são reais. Pequim tem evitado adotar posturas que possam ameaçar suas negociações comerciais e tecnológicas com os Estados Unidos. Um alinhamento explícito com Teerã poderia expor a China a novas sanções secundárias e comprometer avanços recentes no processo de reaproximação comercial com Washington.
Do lado Israelense, a China sabe que qualquer movimento diplomático mal calibrado pode ser interpretado como hostilidade, afetando não apenas suas relações bilaterais com Tel Aviv, mas também com Washington, dada a centralidade da aliança EUA-Israel na política regional.
Adicionalmente, há a variável energética. Com cerca de 50% de suas importações de petróleo vindo do Oriente Médio, Pequim tem um interesse objetivo na preservação da estabilidade regional. Uma escalada prolongada, com impacto sobre rotas como o Estreito de Ormuz ou o Canal de Suez, representa uma ameaça direta à segurança energética chinesa.
No fundo, a crise atual reforça o dilema estrutural da política externa chinesa no Oriente Médio: como ampliar sua projeção diplomática em uma região historicamente dominada pelos Estados Unidos, sem colocar em risco seus interesses econômicos e sem assumir o ônus político e estratégico que acompanha o papel de mediador genuíno.
Por ora, a postura de "neutralidade ativa" adotada por Pequim oferece margem de manobra, mas ainda não garante eficácia real como árbitro. Contudo, diante da crescente desconfiança de Teerã em relação aos Estados Unidos e da ausência de outros mediadores aceitáveis para ambas as partes, Pequim pode emergir, ainda que a contragosto, como uma potência mediadora viável a depender do desenrolar dos próximos acontecimentos.
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