
MARCELO QUEIROGA, médico cardiologista e ex-ministro da Saúde
Em março de 2022, apresentei à sociedade brasileira a proposta do Open Health, inspirada no modelo do Open Finance, do Banco Central. A ideia era simples e poderosa: garantir que o cidadão decidisse, de forma segura, transparente e voluntária, se e como seus dados assistenciais e financeiros poderiam ser compartilhados. O objetivo era estimular a concorrência no setor de saúde suplementar, facilitar a portabilidade entre operadoras e eliminar assimetrias de informação — sempre com base na Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).
O Open Health partiu de um diagnóstico claro: a fragmentação dos dados em saúde prejudica a continuidade do cuidado, encarece o sistema e dificulta a portabilidade entre operadoras. O cidadão, que deveria ser o centro do sistema, torna-se refém de estruturas opacas e desintegradas. Nossa proposta visava reverter essa lógica, colocando a autonomia individual no centro da política de dados.
Ainda que tecnicamente fundamentada, a proposta foi alvo de críticas. O economista Armínio Fraga e o pesquisador Rudi Rocha publicaram artigo apontando riscos de discriminação por parte das operadoras. Mas essa avaliação ignorava um ponto essencial: nenhum dado poderia ser compartilhado sem o consentimento informado do titular. Ao contrário do que se alegava, o Open Health não abria portas à exclusão, mas, sim, fortalecia a liberdade de escolha e os direitos individuais.
Mais equilibrada foi a análise do professor Juliano Maranhão, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Reconhecendo o potencial do Open Health, ele defendeu uma implementação cautelosa e com maturidade institucional. Suas recomendações foram acolhidas. Criamos um grupo técnico no âmbito do Ministério da Saúde, com participação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), do Banco Central e da Secretaria de Governo Digital. O relatório resultante definiu dois pilares estruturantes: o eixo assistencial, integrado à Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), e o eixo financeiro, voltado à portabilidade e à transparência.
Naquele momento, o Brasil já figurava entre os países mais avançados em saúde digital, com marcos como o Conecte SUS e a própria RNDS. Países da OCDE, como Reino Unido, Austrália e Estônia, demonstram que a integração de dados e o empoderamento do paciente são fundamentais para sistemas de saúde mais eficientes e humanos. O Open Health estava alinhado a esse movimento global, com base legal sólida, governança multissetorial e proteção a dados sensíveis.
Dois anos depois, é alentador ver o jornal O Globo reconhecer, em editorial de 28 de junho de 2025, que o uso seguro de dados pode melhorar o cuidado, reduzir custos e salvar vidas. Trata-se de um avanço no debate — embora tardio. O tema agora ganha o reconhecimento que merecia quando proposto.
Infelizmente, a atual gestão não deu continuidade à iniciativa. Criou uma Secretaria de Saúde Digital que pouco entregou. Em decisão de fevereiro de 2025, o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou falhas graves na governança da estratégia digital do Ministério da Saúde: ausência de planejamento, desmonte de instâncias técnicas e carência de profissionais qualificados. A integração das unidades à RNDS estagnou, prejudicando o cuidado, a vigilância e a gestão baseada em evidências.
Além dos benefícios assistenciais, o Open Health tinha potencial para reduzir desperdícios e fraudes, melhorar a regulação econômica do setor suplementar e aumentar a previsibilidade dos custos com saúde. Estudos internacionais mostram que a interoperabilidade de dados pode reduzir em até 15% os custos totais de atenção.
Sem liderança técnica e metas claras, perde-se o que foi construído com esforço e compromisso com o cidadão. É essencial reconhecer que a proposta já estava em curso, com apoio técnico, institucional e legal. Faltaram apenas continuidade e visão de futuro.
A saúde digital não é promessa, é realidade necessária. O Open Health, corretamente regulado, pode transformar a saúde suplementar, fortalecer o SUS, ampliar o acesso, reduzir desigualdades e garantir maior protagonismo ao cidadão. O Brasil não pode desperdiçar essa oportunidade.
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