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Da boca ao pulmão: julho é o mês de olhar além

O Julho Verde é uma campanha mundial de conscientização sobre os cânceres de cabeça e pescoço e, neste ano, ganha ainda mais força com o tema Da boca aos pulmões: Inspire prevenção

Da boca ao pulmão -  (crédito: Editoria de Arte)
Da boca ao pulmão - (crédito: Editoria de Arte)

DIEGO CHAVES REZENDE MORAIS, radio-oncologista do Grupo Oncoclínicas Recife e do Hospital Santa Águeda (PE), membro da diretoria da Sociedade Brasileira de Radioterapia e MELISSA MEDEIROS, fundadora e presidente voluntária da Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG Brasil)

Quem nunca teve uma afta, ferida na boca que demora a cicatrizar, desconforto na garganta ou uma rouquidão persistente? Sintomas aparentemente simples, que fazem parte da vida de qualquer pessoa em algum momento, mas que podem ser o primeiro sinal de algo mais sério. Essa é a realidade de milhares de brasileiros que, muitas vezes, demoram a receber o diagnóstico de câncer de cabeça e pescoço — um grupo de tumores que, apesar de ter altos índices de cura quando descobertos precocemente, ainda é, na maioria dos casos, identificado em estágio avançado. Ao apresentar esses sintomas por três semanas ou mais, o recomendado é buscar orientação médica. 

O Julho Verde é uma campanha mundial de conscientização sobre os cânceres de cabeça e pescoço e, neste ano, ganha ainda mais força com o tema Da boca aos pulmões: Inspire prevenção. Expire saúde, promovido pela Associação Brasileira de Câncer de Cabeça e Pescoço (ACBG Brasil). E a conexão entre esses cânceres não é apenas pelos órgãos em questão, como também se faz presente nos fatores de risco e nos desafios que cercam o diagnóstico precoce dessas diferentes doenças.

A projeção da OMS é que o câncer será, até 2030, a doença que mais mata no mundo. No Brasil, os dados também são alarmantes: em 2050, poderemos registrar cerca de 554 mil mortes anuais por câncer, um aumento de quase 99% em relação a 2022, quando ocorreram 279 mil óbitos. Dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) apontam mais de 40 mil novos casos anuais de câncer de cabeça e pescoço, além de aproximadamente 32 mil casos de câncer de pulmão. E um dos principais responsáveis segue sendo o mesmo vilão de sempre: o tabagismo.

O cigarro não afeta apenas os pulmões, como muitos pensam. Ele corrói silenciosamente a mucosa da boca, da garganta, da laringe, da faringe e dos seios da face. E não para por aí. Dispositivos que vêm ganhando popularidade, como cigarros eletrônicos, vapes e narguilés, também são altamente prejudiciais. Vendidos sob a falsa promessa de serem "menos nocivos", eles carregam elevadas concentrações de nicotina e outras substâncias tóxicas, que geram alta dependência e causam danos significativos à saúde ao longo do tempo. Vale lembrar ainda que o álcool, quando combinado ao tabaco, potencializa ainda mais esse risco.

Além do impacto do tabagismo, assistimos também ao crescimento dos casos de câncer de orofaringe relacionados ao HPV (papilomavírus humano), que pode acometer amígdalas e base da língua. A boa notícia é que essa é uma doença que pode ser evitada com uma medida simples: a vacinação contra o HPV, indicada para meninas e meninos de 9 a 14 anos. A proteção é extremamente eficaz quando aplicada antes do primeiro contato com o vírus. Em 2024, o Ministério da Saúde atualizou o protocolo, passando de duas doses para dose única, o que facilita o acesso e amplia a cobertura vacinal para ambos os sexos.

Parece uma equação simples: não fumar e se vacinar. Duas estratégias altamente eficazes para reduzir significativamente o risco de câncer. Mas, na prática, a realidade é bem mais desafiadora. O Brasil ainda enfrenta uma baixa adesão à vacina contra o HPV, mesmo ela estando disponível gratuitamente no SUS. A maioria desses cânceres segue sendo diagnosticada em estágios avançados, mas, quando descobertos no início, as chances de cura ultrapassam 80%, com tratamentos menos agressivos e que impactam menos a qualidade de vida.

E, para isso, a atenção aos sinais de alerta faz toda a diferença: feridas na boca que não cicatrizam em 15 dias, manchas esbranquiçadas ou avermelhadas na língua e/ou face interna das bochechas, dificuldade para mastigar ou engolir, rouquidão persistente, nódulos no pescoço, tosse prolongada ou falta de ar inexplicável precisam ser levados a sério e investigados por especialistas.

Quando o câncer é diagnosticado, a radioterapia se torna uma grande aliada. Seja isoladamente ou combinada à cirurgia e/ou à quimioterapia, ela desempenha um papel fundamental no controle da doença. Com as tecnologias atuais, é possível direcionar a radiação de forma extremamente precisa, preservando ao máximo os tecidos saudáveis ao redor do tumor. Isso tem impacto direto na preservação de funções essenciais — como fala, mastigação e respiração.

O mesmo conceito vale para o câncer de pulmão, especialmente para pacientes que não têm indicação cirúrgica. Nesses casos, técnicas como a radioterapia estereotáxica oferecem boa possibilidade de controle local da doença, com menos sessões e excelentes resultados.

Apesar de todos os avanços da medicina, o acesso continua sendo um dos maiores desafios no Brasil. A falta de informação, a baixa adesão às campanhas de conscientização e as longas filas para diagnóstico e tratamento são barreiras que seguem custando caro — custam vidas.

É por isso que a ACBG Brasil e a Sociedade Brasileira de Radioterapia (SBRT) se unem. É preciso que tudo isso chegue a todas às pessoas. É preciso que haja informação de qualidade, acesso às vacinas, prevenção, diagnóstico e tratamento em tempo.

 

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Por Opinião
postado em 12/07/2025 06:00
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