ARTIGO

Tudo passará

Considerando que nos últimos anos temos vivido uma crise constante no relacionamento entre os Três Poderes, parece-me ser a disputa pelo Legislativo a mais relevante de 2026

Em 2026, serão renovadas 513 (ou 531) vagas para a Câmara e 54 para o Senado -  (crédito: Antônio Cruz/Agencia Brasil)
Em 2026, serão renovadas 513 (ou 531) vagas para a Câmara e 54 para o Senado - (crédito: Antônio Cruz/Agencia Brasil)

ORLANDO THOMÉ CORDEIROconsultor em estratégia

Um dos artistas mais populares que o Brasil conheceu foi Nelson Ned. Nascido em 1947, enfrentou todo tipo de preconceito, tanto por seu repertório considerado "brega" quanto por seu nanismo. Ao longo da carreira, iniciada na década de 1960, vendeu cerca de 45 milhões de discos entre compactos, LPs e CDs. Recorri ao nome de sua canção de maior sucesso para dar o título à coluna de hoje.

É certo que o Brasil inteiro vive a tensão provocada pelas ações de Donald Trump contra nosso país, em um movimento combinado com o deputado Eduardo Bolsonaro e que gera um cenário de insegurança e incertezas. Por acreditar que esse quadro será superado, prefiro continuar a abordar um futuro que terá como marco inicial as eleições gerais de 2026.

No que tange à disputa presidencial, tudo indica que veremos "o futuro repetir o passado" e "um museu de grandes novidades", como eternizado por Cazuza em seus versos. As pesquisas de opinião têm indicado que deveremos ter a repetição do que vivenciamos em 2018 e 2022, quando os mesmos dois polos políticos viram seus principais representantes sendo vitoriosos por apresentarem menor rejeição. Ou seja, a opção do eleitorado tende a continuar sendo reativa, e não propositiva.

Porém, ainda que a disputa pelo Executivo federal seja, historicamente, a que mobiliza a maior atenção da população e da mídia, é imperativo lembrarmos que, no próximo ano, serão renovadas 513 (ou 531) vagas para a Câmara dos Deputados e 54 para o Senado Federal, o equivalente a 2/3 do total. Considerando que nos últimos anos temos vivido uma crise constante no relacionamento entre os Três Poderes, parece-me ser a disputa pelo Legislativo a mais relevante. 

Em relação à Câmara alta, temos visto que os dois polos têm repetido à exaustão quererem eleger candidaturas em quantidade necessária para formar a maioria. E é compreensível, já que ali são submetidas à aprovação as indicações para ocupantes das Cortes superiores do Judiciário, das agências reguladoras, da diplomacia, do Banco Central. Por outro lado, o crescente protagonismo do STF nos embates com o Congresso Nacional é um ingrediente que potencializa esse interesse. 

Também chama a atenção a mudança de perfil de atuação dos senadores em que o comportamento predominante tem sido marcado pelos embates ideológicos, como se fosse uma mera extensão da Câmara Federal, deixando para trás o papel historicamente predominante de Casa revisora e de representação federativa. Por ser um pleito em que a escolha é definida pelo voto majoritário, não se pode afastar o risco de que tal característica seja aprofundada com a eleição de nomes sem experiência. Não à toa há projetos legislativos propondo reduzir a idade mínima prevista na Constituição dos atuais 35 anos para 30 anos, de modo a beneficiar candidaturas que utilizam as redes sociais como instrumento de lacração.

Já na Câmara federal, os desafios são de outra natureza. A começar pelo sistema eleitoral proporciona,l que gera uma grave e conhecida distorção na representação. A saída sustentável passa pela adoção do sistema distrital, puro ou misto. Entre as vantagens desse modelo, destaco duas: acabar com o conhecido problema de votos recebidos por uma candidatura serem contabilizados para eleger uma outra; e maior proximidade entre o cidadão e o candidato eleito em seu distrito, permitindo um real acompanhamento e monitoramento de sua atuação parlamentar.

Como em curto prazo essa mudança não se apresenta como provável, é necessário identificar maneiras de melhorarmos a qualidade da representação naquela casa, sem perder de vista que ali é o espaço adequado para expressar as diferentes correntes de pensamento existentes no país. A valorização dessa diversidade é base para o fortalecimento da democracia representativa. Nesse sentido, há diversas iniciativas levadas adiante por grupos organizados da sociedade civil que têm procurado estimular o debate e a consequente ação com foco no processo de escolha de representantes para os Legislativos, nos planos nacional, estadual e municipal. 

Porém, o maior obstáculo para o imprescindível aprimoramento tem sido o crescente ceticismo que tem tomado conta de cada vez mais parcelas da população. Infelizmente, a ideia de que a atividade política é sinônimo de ilegalidades acaba sendo alimentada pelos inúmeros maus exemplos que povoam o noticiário cotidiano.

Diante disso, só nos resta continuar lutando para aprimorar o processo eleitoral. Afinal, a história da humanidade comprova que fora da política só resta a barbárie.

 

  • Google Discover Icon
Por Opinião
postado em 25/07/2025 06:00
x