
CÉSAR MUÑOZ ACEBES, diretor da Human Rights Watch no Brasil e DEBORAH BROWN, vice-diretora de tecnologia e direitos humanos da Human Righths Watch
O Brasil precisa de um debate aberto, democrático e informado sobre liberdade de expressão e regulamentação das redes sociais. No entanto, a flagrante incoerência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação à liberdade de expressão e suas inaceitáveis medidas para tentar coagir o Supremo Tribunal Federal (STF) a beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro contaminam essa importantíssima discussão.
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Nos últimos anos, o Brasil tem sido assolado por desinformação, incluindo alegações infundadas de fraude eleitoral e ataques às instituições democráticas. O STF precisou atuar em meio à inércia das plataformas de redes sociais e do Congresso. Como parte de sua resposta, o ministro Alexandre de Moraes e o plenário do Supremo tomaram decisões problemáticas, como a suspensão de perfis em redes sociais sem a transparência adequada; mudanças no regime de responsabilização, que poderiam incentivar as plataformas de redes sociais a censurar opiniões legítimas; e proibições excessivamente amplas do uso de redes sociais, em alguns casos.
No entanto, os brasileiros que valorizam o papel do STF, mas discordam de algumas dessas decisões, muitas vezes hesitam em expressar críticas por medo de que sejam indevidamente apropriadas por apoiadores do Bolsonaro como munição em seu ataque à independência do judiciário.
O STF tornou-se um importante freio às tendências autoritárias de Bolsonaro quando ele era presidente. Até hoje, seus apoiadores que participaram ou aplaudiram a invasão do STF em 8 de janeiro de 2023 parecem determinados a substituir seus ministros por aliados complacentes. Eles focam seus ataques no ministro Alexandre de Moraes, que é o relator do julgamento contra Bolsonaro por uma suposta conspiração para impedir que Luiz Inácio Lula da Silva assumisse o cargo em 2023, que incluía um plano para assassinar Lula, Alexandre de Moraes e o vice-presidente, Geraldo Alckmin. Em 4 de agosto, o STF decretou a prisão domiciliar de Bolsonaro e proibiu o uso de seu telefone celular por supostamente violar medidas cautelares.
Trump tem sido receptivo aos apelos de Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente e deputado federal, para tentar influenciar o STF a decidir a favor de seu pai. Ao revogar em 18 de julho os vistos para os EUA de Alexandre de Moraes, de "seus aliados no tribunal" e de seus familiares, o seu governo enviou uma mensagem clara: se um ministro votar contra Bolsonaro, corre o risco de ser sancionado por Trump.
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Ao anunciar tarifas de 50% ao Brasil, o governo dos EUA sequer fingiu uma motivação econômica. A ordem argumentava que o Brasil merecia ser punido por perseguir Bolsonaro e por violações à liberdade de expressão, incluindo ações que supostamente prejudicariam empresas estadunidenses. O governo dos EUA também deturpou a Lei Magnitsky — criada para punir autoridades responsáveis por corrupção, tortura, assassinato e outras graves violações de direitos humanos — ao usá-la contra Moraes.
Ao contrário do que Trump argumenta, o julgamento contra Bolsonaro se baseia em provas substanciais. Na verdade, são as ações de Trump que têm motivação política, ao proteger aliados em vez de defender a justiça. Isso inclui sancionar funcionários do Tribunal Penal Internacional, que emitiu mandados de prisão contra o primeiro-ministro e um ex-ministro da Defesa de Israel.
Além disso, a alegação de Trump de defender a liberdade de expressão soa vazia quando seu governo arbitrariamente detém pessoas sem a nacionalidade estadunidense, além de sancionar uma relatora de direitos humanos da ONU, tudo isso para retaliar aqueles que estão defendendo os direitos humanos na Palestina. Além disso, Trump e seus aliados políticos, que incluem líderes de algumas das principais empresas de tecnologia, têm rotulado como censura qualquer tentativa de moderação nas redes ou responsabilização das empresas por suas ações.
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Sem dúvida, as decisões do STF afetaram a liberdade de expressão. Mas um país estrangeiro usar sanções para pressionar ministros a mudarem suas decisões corrói o direito a um Judiciário independente e à igualdade perante a lei. Brasileiras e brasileiros merecem o direito de debater quais devem ser os limites razoáveis da liberdade de expressão e como garantir que as redes sociais sejam espaços seguros para todos. Eles devem poder concordar ou discordar das decisões do STF ou dos projetos de lei no Congresso sem medo de que suas opiniões sejam mal utilizadas e exploradas por aqueles que querem desmantelar as instituições democráticas.
Isso fortaleceria a democracia brasileira.
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