
JORGE SANTANA — professor e doutor em história no Instituto Federal do Paraná Campo Largo
A história é uma arena de disputas, principalmente quando é operada no campo ideológico e político. Tradicionalmente, uma das principais disputas ocorre no campo político. O presidente dos Estados Unidos da América, Donald Trump, tem fama de faltar com a verdade em alguns de seus discursos e em suas redes sociais. Contudo, agora, ele tem como um dos seus objetivos reescrever ou escrever uma nova velha história oficial dos Estados Unidos.
Em 13 de agosto de 2025, a Casa Branca publicou uma carta em seu site em que comunicou ao Smithsonian (órgão que administra os museus americanos) o desejo de que as instituições museais apresentem "unidade, o progresso e os valores duradouros que definem a história americana". Em outro trecho, a carta defende "restauração da verdade e da sanidade à história americana".
A carta faz uso de termos genéricos e que não são, definitivamente, nítidos para um público mais amplo. Entretanto, para museólogos, historiadores, filósofos, sociólogos e ativistas, a intenção é límpida: a defesa de um revisionismo da história americana a ser apresentada nos museus. O revisionismo histórico é um processo de reescrita da história a partir de novos documentos, perspectivas, metodologias, entre outros. Em suma, é uma nova interpretação de fatos e eventos históricos, de maneira crítica à interpretação até então hegemônica.
Dessa forma, o que o presidente Trump busca ao revisar a história estadunidense com tal medida? Alguns atos do presidente republicano no campo dos esportes indicam evidências da linha que adota no processo revisionista da história norte-americana. Nos últimos meses, Trump tem se engajado em uma ofensiva contra dois times, um de baseball, o Cleveland Guardians, e um de football americano, o Washington Commanders. A ofensiva é para que essas franquias voltem atrás em suas decisões, quando mudaram seus nomes, devido às reivindicações dos povos originários.
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O Washington Commanders, time da NFL, sediado na capital norte-americana, usava o nome Washington Redskins (Washington Peles Vermelhas) e um logo com a imagem estereotipada de um nativo norte-americano. A expressão "pele vermelha" é considerada pejorativa, estigmatizante e repleta de preconceito pelos povos originários da América do Norte. Por décadas, os indígenas reivindicavam que o time mudasse seu nome e sua logo, mas eram sumariamente ignorados pelo dono do time. Após as revoltas de 2020, capitaneadas pelo movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), o time alterou o seu nome e sua logo. Caso similar ocorreu com o time Cleveland Indians (Cleveland Índios), que alterou seu nome para Cleveland Guardians.
Esses dois casos expressam a intenção da Casa Branca de como vai intervir nos museus federais. Algumas das instituições que serão afetadas pelo revisionismo "romântico" são museus como, o Museu Nacional de História e Cultura Afro-americana e o Museu Nacional do Índio Americano. Esses espaços apresentam exposições críticas à narrativa histórica dos Estados Unidos, que excluiu e apagou a contribuição dos povos nativos e dos afro-americanos na construção da nação. E ainda: são críticos aos processos de escravidão, genocídio, segregação racial, políticas eugenistas e de morticínio desses povos, operadas pela nação americana tanto em governos republicanos quanto democratas.
Ainda não sabemos qual será o fim dessa empreitada do governo republicano em relação aos museus, mas sabemos o que está por trás dela. É parte de uma agenda que pretende fazer uso dos museus como aparelhos de propaganda ideológica, no contexto do 250° aniversário dos Estados Unidos. País que nasceu como nação da liberdade em 1776, mas negando a liberdade aos escravizados africanos, vitimando milhões de nativos e distribuindo suas terras aos brancos.
Impor aos museus "uma restauração da história norte-americana" é, na prática, apagar uma história plural, multicultural, crítica, para, em troca, produzir uma narrativa idealizada da América do Norte que em nada condiz com a "verdade". Na prática, é nova velha história, carregada de supremacia branca.
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