MARIA ROSA DARRIGO, gerente do Programa de Educação Pulitzer Center na América Latina
O conhecimento dos povos das florestas — o saber de coexistir de forma saudável com o planeta por meio de outras formas de pensar e se relacionar com o mundo — é essencial para concebermos um futuro diferente não apenas para a Amazônia, mas para toda a humanidade. Pensadores como Davi Kopenawa e Raoni Metuktire têm sido reconhecidos como detentores dos decisivos saberes para reorientar nossa presença no mundo. Ainda assim, a desinformação avança dentro e fora da Amazônia — desagregando laços comunitários e travando ações afirmativas — e afeta especialmente comunidades afastadas dos grandes centros, ameaçando o conhecimento local e, principalmente, a formação de jovens e novas lideranças. Jovens esses que são a garantia da sobrevivência e amplificação dos saberes locais.
Uma educação crítica e cidadã é chave para a formação de jovens na região. Essa realidade, no entanto, parece distante. Segundo o projeto Amazônia 2030, a educação na Amazônia está aquém da média nacional, e dados da Prova Brasil mostram um cenário ainda mais grave nas áreas distantes das capitais, justamente onde estão as escolas frequentadas por jovens indígenas, quilombolas e ribeirinhos. Há um componente estrutural, mas o investimento, por si só, não resolve: é preciso educação com a vivência local como ponto de partida para pensar as soluções, e uma educação que importe aos jovens.
Nesse cenário, educação e jornalismo são aliados estratégicos. Jornalismo de qualidade revela problemas sistêmicos, denuncia violências sofridas pelos povos da floresta e amplifica o conhecimento e as resistências construídas ao longo de gerações. Uma educação crítica e enraizada nos territórios faz com que jovens reconheçam o valor do saber local e reflitam sobre os desafios tanto locais quanto globais.
A história de Chico Mendes, importante pensador da floresta, ilustra bem o resultado da combinação entre educação e jornalismo. Filho de seringueiros no Acre, teve acesso precário à educação. Seu caminho cruzou com o de Euclides Távora, ex-combatente da Coluna Prestes, que se estabeleceu num seringal próximo. Munido de jornais e de um aparelho de rádio, Távora estimulou em Chico um pensamento crítico, levando-o a refletir sobre os abusos dos "patrões da borracha" e sobre como melhorar a vida dos trabalhadores locais. O próprio Chico lembraria desse processo de formação — em que educação e comunicação se entrelaçam — como pedra fundamental do caminho que seguiu. O que aconteceu com ele deveria ser regra, não exceção.
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Os ensinamentos de Chico continuam vivos e extremamente atuais. Os desafios de manter a floresta e seus povos vivos seguem imensos, e a educação e a comunicação são determinantes tanto em territórios com forte organização comunitária, ajudando a reforçar essa condição, quanto em áreas conflagradas, onde conflitos estão em curso ou são iminentes.
Exemplos inspiradores existem. No Médio Juruá, no Amazonas, a professora Clara Machado, do Instituto Juruá, coordenou um curso para docentes da reserva extrativista em que as próprias lideranças comunitárias — reais especialistas em conservação com base comunitária — atuaram como formadoras. A partir de reportagens sobre histórias locais, o curso aproximou escola e comunidade e compartilhou, de maneira sistemática, um acervo de conhecimentos acumulado em anos de luta.
Em uma realidade mais difícil, o estudante yanomami Alfredo Himotono Yanomami e a professora Hanna Limulja, ambos da Universidade Federal de Roraima, desenvolveram um projeto para conscientizar jovens yanomamis sobre os impactos da mineração. A partir de conversas com anciãos e jovens que tiveram experiência no garimpo, reuniram conhecimentos e os compartilharam com jovens via áudios de WhatsApp, simulando as rodas de conversa do povo Yanomami. Utilizar os modos ancestrais, potencializados por ferramentas de áudio, é estratégia eficaz para fortalecer o conhecimento e promover liderança com as novas gerações.
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O conhecimento dos povos da floresta não é adereço cultural: é um manual de sobrevivência para a humanidade. É necessário amazonizar o mundo, o que só ocorrerá com a circulação do conhecimento gerado na região. Apostar na formação de jovens lideranças é uma das melhores estratégias para o futuro da floresta — em territórios organizados para consolidar avanços, e em áreas de conflito para promover mudanças. Que esse conhecimento chegue ao mundo para imaginarmos outras formas de restaurar nossa conexão com o único planeta habitável que conhecemos.
