Futebol

Os tentáculos do sportswashing

Visit Ruanda coloca na vitrine a cultura, as paisagens e convida para experiências na República Democrática do Congo com a vida selvagem, os safáris. Há um contraponto. Todos esses patrocínios são alvo de resistência e de uma onda de protestos

Opiniao Marcão Esportes Site -  (crédito: Caio Gomez)
Opiniao Marcão Esportes Site - (crédito: Caio Gomez)

Em tempos de debate, fiscalização e protestos contra o Sportswashing — o uso do esporte por regimes repressivos para limpar a reputação internacional —, estamos diante do avanço de um novo e controverso tentáculo: a campanha Visit Ruanda.

Trata-se de uma marca oficial de turismo do Conselho de Desenvolvimento da capital da República Democrática do Congo. É inspirada em estratégias recentes da Rússia, palco da Copa do Mundo de 2018; do Catar, anfitriã de 2022; da Arábia Saudita, casa do evento da Fifa em 2034; e outros países como Azerbaijão, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Filipinas, Uzbequistão...

O fundo de investimento Visit Ruanda monta um portfólio invejável. As parcerias limitavam-se ao futebol. Contratos assinados com o atual campeão europeu e vice mundial, Paris Saint-Germain; o Arsenal, vice-líder do Campeonato Inglês; o Atlético de Madrid, protagonista do impactante 5 x 2 contra o Real Madrid no sábado passado; e o Bayern de Munique, primeiro colocado na Liga dos Campeões da Europa. Os valores são sigilosos. Especula-se um investimento de R$ 63 milhões por temporada.

Até quem antes se orgulhava do slogan "mais que um clube" ficou vulnerável. O Barcelona fechou com o Governo da República Democrática do Congo a exposição do logo "RDC, o coração da África", nas mangas da camisa. O acordo de quatro anos inclui uma casa da RDC no Spotify Camp Nou, a reformada arena do time catalão. Negócio apresentado como "Parceiro Oficial para o Empoderamento no Esporte e na Cultura". 

A novidade é a extensão dos tentáculos da marca de turismo africana às ligas profissionais de basquete e de futebol americano dos Estados Unidos. Visit Ruanda virou patrocinador oficial do Los Angeles Clippers na NBA. Ganha jardas na NFL, ao assinar com o Los Angeles Rams. Duas franquias da cidade-sede dos Jogos Olímpicos de 2028. Uma das anfitriãs de oito das 102 partidas da Copa do Mundo de 2026.

O Los Angeles Clippers exibirá patch na camisa. Visit Ruanda assumirá o café do Intuit Dome, a nova mansão da trupe de Kawhi Leonard, James Harden, Bradley Beal e de Chris Paul. Campeão do Super Bowl em 1999 e em 2021, o Los Angeles Rams, dos astros Matthew Stafford, Jared Verse e Davante Adams mostrará o logo no SoFi Stadium, palco da Copa, e no Hollywood Park.

Visit Ruanda coloca na vitrine a cultura, as paisagens e convida para experiências na República Democrática do Congo com a vida selvagem, os safáris. Há um contraponto. Todos esses patrocínios são alvo de resistência e de uma onda de protestos.

Motivo: os dedos apontam para Ruanda como financiadora de uma milícia violenta e brutal no leste do país. Há denúncias graves de violações dos direitos humanos. Levantes de rebeldes deixam cidadãos deslocados. A Organização das Nações Unidas (ONU) admite o sofrimento da população civil. A ministra das Relações Exteriores, Thérèse Kayikwamba, recomendou aos alvos "pensar cuidadosamente" sobre as parcerias. O Bayern diminuiu a exposição.

"O sportwashing se faz presente no esporte em diversas ocasiões. O dinheiro investido do patrocínio nunca deve sobrepor os valores e a tradição do clube", alerta o especialista Fábio Wolff, sócio-diretor da Wolf Sports. "Associações, mesmo que indiretas, com ditadores ou países que têm autocratas no cargo maior são questionáveis e podem gerar no futuro danos irreparáveis. Camisas dos clubes são tão importantes como bandeiras de um país, e exigem cuidados maiores do que os da gestão de outdoors e painéis", alerta Thiago Freitas, COO da Roc Nations Sports Brasil. Encerro com dica de filme para o fim de semana: Hotel Ruanda

 

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MP
postado em 04/10/2025 06:03
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