ARTIGO

Nobel da Paz a favor da guerra

O Nobel concedido a María Corina Machado pode aumentar ainda mais as tensões na região do Caribe e colocar em xeque anos de diplomacia brasileira no subcontinente sul-americano

 María Corina Machado comanda protesto em Caracas, em 9 de janeiro passado: -  (crédito:   Pedro Mattey/AFP)
María Corina Machado comanda protesto em Caracas, em 9 de janeiro passado: - (crédito: Pedro Mattey/AFP)

GUSTAVO MENON, coordenador no curso de Relações Internacionais na UCB e docente no Programa de Pós-Graduação em Integração da América Latina na Universidade de São Paulo – Prolam/USP 

O Prêmio Nobel da Paz de 2025 foi concedido à golpista María Corina Machado, líder da oposição venezuelana. Conhecida por sua postura firme contra o regime autoritário de Nicolás Maduro, Corina Machado defendeu repetidamente a estratégia de pressão máxima dos Estados Unidos, incluindo sanções econômicas severas para forçar a saída de Maduro, chegando a apoiar publicamente uma intervenção militar cirúrgica para a destituição do governo atual, argumentando que não haveria outra saída além do uso da força. 

Machado mantém fortes ligações com setores ultraconservadores e republicanos dos EUA, especialmente com o secretário de Estado, Marco Rubio, reforçando a necessidade de aliança com Washington para garantir a influência norte-americana na região. Essa postura pró-intervenção faz parte de uma agenda que busca a derrubada do regime chavista a qualquer custo, inclusive, com o uso de força externa. Cabe ressaltar que Corina Machado defendeu as guarimbas, os protestos violentos que ocorreram na Venezuela, principalmente em 2014 e 2017. Essas manifestações incluíam barricadas, confrontos com as forças de segurança e atos de vandalismo, resultando em mortes e inúmeros feridos — tanto da oposição, bem como representantes das alas governistas.

O Comitê Norueguês do Nobel premiou María Corina Machado pelo seu "trabalho incansável na promoção dos direitos democráticos" na terra de Simón Bolívar, destacando sua liderança, articulação e atuação na oposição e na unificação dos supostos "movimentos democráticos". A premiação, no entanto, ignora seu histórico de apoio a táticas radicais, traço da extrema-direita na contemporaneidade. 

Corina Machado perdeu seus direitos políticos no país em 2014, devido a uma decisão da Assembleia Nacional, controlada pelo chavismo, que foi respaldada pelo Tribunal Supremo de Justiça (TSJ). Ela teve seu mandato cassado por aceitar o cargo de representante alternativa do Panamá junto à Organização dos Estados Americanos (OEA), o que foi considerado incompatível com sua função legislativa na Assembleia Nacional, conforme previsto nos artigos 191 e 197 da Constituição Bolivariana da Venezuela de 1999. 

Esses artigos determinam que deputados não podem aceitar ou exercer cargos públicos sem perda do mandato, exceto em atividades docentes, acadêmicas, acidentais ou assistenciais, e que devem cumprir suas funções com dedicação exclusiva. A decisão do TSJ confirmou que, ao assumir um cargo diplomático, María Corina Machado perdeu automaticamente seu mandato de deputada. De toda forma, ao perder imunidade parlamentar, Machado passou a ser investigada por acusações relacionadas a supostos atos contra o governo, em um processo considerado por muitos como uma retaliação política. A eleição de 2024, onde não se sabe ainda os resultados da votação, permanece em aberto. 

A crise na Venezuela parece ganhar um novo capítulo diante da ofensiva dos EUA no Caribe, que desloca navios de guerra e tenta retomar seu "Mare Nostrum". Com as tentativas de Donald Trump de se reposicionar diante das tensões geopolíticas globais, como a Guerra na Eurásia e os conflitos no Oriente Médio, a América Latina volta a ser foco e prioridade da política externa estadunidense. 

Vale lembrar que os Estados Unidos oferecem uma recompensa de US$ 50 milhões por informações que levem à prisão de Nicolás Maduro, acusado de liderar um cartel de narcotráfico e estar envolvido em conspirações com narcoterrorismo, tráfico de drogas e uso de armas em apoio a crimes relacionados ao tráfico — trata-se da maior recompensa já oferecida pelo país, superando até mesmo a do terrorista Osama Bin Laden. 

O Nobel concedido a María Corina Machado pode aumentar ainda mais as tensões na região do Caribe e colocar em xeque anos de diplomacia brasileira no subcontinente sul-americano, que é uma das poucas regiões livres de ação bélica entre Estados no planeta. O combate ao narcotráfico não pode ser usado como pretexto para ações e intervenções de forças externas na América do Sul. 

Para o Brasil, acende-se um sinal de alerta, pois, na Venezuela, diante da crise autoritária — Maduro segue com sua escalada militarizante se associando à Rússia, Irã e China em um nítido processo de degeneração do chavismo —, da espiral de conflito e do não reconhecimento das eleições, há uma crescente atuação de forças extraregionais. Por fim, diante da erosão da democracia na Venezuela, permanece um cenário de incertezas no qual a iminência do golpe defendido por Corina, com seus desdobramentos imprevisíveis, está se articulando a passos largos.

 


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Por Opinião
postado em 11/10/2025 06:03
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