Visto, Lido e Ouvido

A moita e os coelhos

As Comissões Parlamentares de Inquéito (CPIs) pouco alimentam esperança para a sociedade

A razão é que as pressões e mesmo ameaças de todo o tipo, no meio político, são fortes e frequentes -  (crédito: Platobr Politica)
A razão é que as pressões e mesmo ameaças de todo o tipo, no meio político, são fortes e frequentes - (crédito: Platobr Politica)

Com as diversas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs), que foram instaladas no Congresso nos últimos anos, a sociedade nunca alimentou grande esperança.  A razão é que as pressões e mesmo ameaças de todo o tipo, no meio político, são fortes e frequentes. A sociedade sabe, por isso, que dessa moita não sai coelho, por mais que os alaridos em torno das investigações sejam feitos. O governo que, ao fim e ao cabo, aparece sempre na mira dessas CPIs, tem seus métodos próprios para mudar o curso das investigações e, não raro, conta com o apoio da própria oposição.

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Com exceções mínimas, as bancadas indicadas para essas comissões são designadas tendo como orientação precisa, tanto dos caciques políticos quanto do governo, para impedir que as investigações cheguem perto do Palácio do Planalto, por mais que os indícios apontem nessa direção. No caso em pauta, agora, com a CPI que investiga os descontos irregulares em benefícios do INSS, o bom senso previa que quanto mais as investigações fossem aprofundadas, mais e mais o rastro das irregularidades e crimes iriam até ao Planalto. A CPI do INSS e o desencanto institucional é o que parece que teremos como recheio dessa mais nova pizza assando no parlamento.

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Para investigar os descontos indevidos em benefícios do INSS, a criação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) chegou ao Congresso em meio a um clamor legítimo por responsabilização. Afinal, estamos falando de valores somados em bilhões de reais e de milhares de aposentados e pensionistas que nunca autorizaram tais descontos. Todavia, não se pode ignorar o ceticismo, bem fundamentado, que a sociedade brasileira carrega quanto ao papel real dessas instituições de apuração política. Desde o início, o panorama anunciava que o percurso da CPMI do INSS estaria repleto de becos ocultos, retalhos de obstrução e cenários de blindagem. O modus operandi das comissões parlamentares não é novo — o que muda é o grau de sofisticação das manobras que se adotam para domar investigações que incomodem o poder.

Por meio de sua diretora de Previdência e Benefícios, a Controladoria-Geral da União (CGU) trouxe ao colegiado dados alarmantes: os descontos "associativos" passaram de cerca de R$ 387 milhões, em 2015, para mais de R$ 3,4 bilhões, em 2024. Quando questionada sobre a atuação do INSS, após receber alertas, ela admitiu que o órgão permaneceu omisso. Além disso, o número de reclamações disparou — enquanto os pedidos para suspensão de descontos saltaram de menos de mil para quase 200 mil em poucas gestões. Mais que os indícios de fraude, o que impressiona é o vigor dos mecanismos de contenção aplicados. A CPI rejeitou a convocação de Frei Chico, irmão do presidente Lula, que ocupava cargo no sindicato alvo de investigação. Requerimentos de quebras de sigilo bancário, fiscal, telefônico e telemático do ex-ministro Carlos Lupi foram retirados da pauta. O presidente da CPMI, senador Carlos Viana, criticou uma manifestação da AGU que defendia a continuidade dos descontos, considerando que "abriu caminho para que nenhum agente público seja responsabilizado". Esses episódios não são exceção, mas informações emergentes de que o aparato político tem e vai usar seus recursos para desviar o foco e degradar a eficácia da CPI.

No Brasil, história após história mostra que CPIs que entram no radar do Planalto costumam ser domesticadas, com poucos resultados concretos. O governo, aliado a caciques partidários, atua nos bastidores para submeter os indicados que vão compor essas comissões. A lógica é clara: compor bancadas de maneira "controlável", distribuir cargos e pendurar lealdades. Quando a investigação se aproxima do centro do poder, o "ajuste fino" começa: requerimentos são rejeitados, convocações recusadas, deliberações alteradas. É do jogo, infelizmente, previsível, que as CPIs mais incisivas cedam ao desgaste ou são reduzidas a espetáculo midiático, sem consequências significativas. Raramente, emergem "coelhos" consistentes da moita institucional.

No caso da CPI/CPMI do INSS, por mais que os indícios apontem para conexões perigosas com o Planalto, as primeiras atitudes demonstram o padrão clássico de blindagem política. A oposição, muitas vezes cúmplice ou benevolente, não se mobiliza com a contundência necessária para garantir que a CPI não seja convertida em mera vitrine de teoria conspiratória. A sociedade espera e exige que uma CPI não seja mero rito protocolar, mas um instrumento de responsabilização efetiva.

A CPMI do INSS tem um significado legítimo: veio porque o escândalo é grave demais para ser ignorado. Mas a tarefa que se abre é ingente: justamente garantir que essa comissão não descambe. A sociedade deve monitorar cada passo, exigir transparência imediata, mobilizar sua voz e, sobretudo, cobrar que os resultados excedam o palco do Congresso. Se não houver apuração contundente, punições reais e mudanças nos mecanismos que permitiram o esquema de descontos, a CPI será mais uma promessa não cumprida e mais uma demonstração de que, na política institucional brasileira, muito barulho sai para nenhum coelho justamente quando o rastro da mácula alcança o coração do poder.

 

 

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postado em 19/10/2025 06:00
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