
GUSTAVO FERNANDES, médico oncologista e vice-presidente de Oncologia da Rede Américas
No consultório, não é raro o paciente olhar nos meus olhos e perguntar: "Doutor, quando é que vai aparecer algo novo para o meu caso?". Essa expectativa é legítima — e eu a compartilho. Afinal, cada semana sem uma boa notícia pode parecer um atraso inaceitável diante de uma doença que não espera. O que nem sempre fica claro é que, na oncologia, a velocidade da mudança é inédita. O câncer acompanha a humanidade há milhares de anos, mas foi só no último século que começamos a compreendê-lo de fato. E, na última década, testemunhamos uma revolução silenciosa e, ao mesmo tempo, estrondosa, com avanços que mudam não apenas protocolos, mas a própria lógica do tratamento.
Gosto de recorrer a uma metáfora para explicar essa sensação: quando estamos dentro de um carro em alta velocidade, ou em um avião cortando o céu a quase mil quilômetros por hora, nossa percepção não acompanha a velocidade real. Tudo parece estável, quase parado, mas basta olhar pela janela para percebermos o quanto já avançamos. O referencial importa muito. A oncologia vive algo parecido: para quem está de fora, pode parecer que as novidades chegam devagar demais; mas, para quem acompanha de perto os bastidores da ciência, a transformação tem sido vertiginosa.
Alguns desses progressos parecem saídos da ficção científica. As terapias de bloqueio de checkpoints imunológicos — como os anticorpos anti-CTLA-4 e anti-PD-1/PD-L1 — renderam o Nobel de Medicina em 2018 e hoje já têm papel em mais da metade dos tipos de câncer, mobilizando o próprio sistema imunológico contra o tumor. As terapias CAR-T, em que células de defesa do paciente são retiradas, treinadas em laboratório e devolvidas para atacar a doença, transformaram o tratamento de leucemias e linfomas e começam a chegar aos tumores sólidos.
Outros avanços são mais discretos, mas igualmente sofisticados. É o caso dos anticorpos-droga conjugados, que entregam uma carga tóxica diretamente na célula cancerígena, e dos anticorpos biespecíficos, capazes de aproximar linfócitos e células tumorais para promover sua destruição. Pela primeira vez, conseguimos atingir mutações como a KRAS — presente em uma grande fração dos cânceres — com medicamentos específicos. E, no campo das terapias radioligantes, moléculas guiadas por alvos tumorais levam radiação letal de forma precisa, como no tratamento de câncer de próstata com PSMA.
O conceito de "terapia agnóstica" — tratar não o órgão de origem, mas a mutação responsável pelo tumor — também ganhou força, com drogas aprovadas para alterações como MSI-H/dMMR e fusões NTRK. No diagnóstico e acompanhamento, a biópsia líquida já permite detectar doença residual mínima no sangue, ajudando a decidir se vale ou não fazer quimioterapia adicional. E a revolução na imagem médica, com PET-CTs de altíssima resolução, marcadores como o PSMA para próstata e o PET de receptor de estrógeno para tumores hormônio-dependentes, mudou radicalmente nossa capacidade de localizar e entender a doença.
Mais recentemente, um avanço emblemático veio do campo das vacinas de RNA. Em um estudo publicado na Nature, pacientes com câncer de pâncreas — um dos mais letais e resistentes — receberam uma vacina personalizada feita a partir do próprio tumor. O processo envolve coletar o material após a cirurgia, identificar mutações específicas e, em poucas semanas, produzir uma vacina de mRNA que ensina o corpo a reconhecer essas alterações. Combinada à imunoterapia e à quimioterapia, a estratégia estimulou em metade dos pacientes uma resposta imune robusta e duradoura, reduzindo de forma significativa o risco de recidiva. Pela primeira vez, vimos evidências de que até tumores historicamente refratários podem ser sensibilizados por uma vacina — um passo promissor rumo a terapias realmente personalizadas.
Nem todo avanço, porém, tem nome novo. Cirurgias robóticas, protocolos anestésicos mais seguros, ressonâncias e tomografias de altíssima definição fazem parte de um progresso silencioso — uma evolução de tecnologias que continuam com o mesmo nome, mas hoje salvam mais vidas e deixam menos sequelas.
O câncer ainda é um desafio imenso e continuará sendo pauta de saúde pública por muito tempo. Mas, a cada ano, o arsenal contra ele se expande com armas mais precisas e menos agressivas. Parte da nossa missão, como médicos, é mostrar ao paciente que, mesmo que a cura definitiva ainda não esteja em mãos, o caminho até ela está sendo percorrido em velocidade impressionante.
E talvez essa seja a melhor metáfora: como dentro de um avião em pleno voo, a sensação é de estabilidade, mas basta olhar para trás para perceber o quanto já avançamos. Na oncologia, o impossível começa a se tornar rotina — mesmo que, dentro da cabine, ainda pareça silêncio.
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