
Victor Hugo Iocca — diretor de Energia Elétrica na Abrace Energia
Após anos de debates e tentativas frustradas, o setor elétrico brasileiro finalmente passará por mudanças relevantes com a aprovação da Medida Provisória 1.304/25. O texto traz avanços importantes — muitos deles de difícil mensuração e pouca visibilidade, mas também uma fatura bilionária. Entre contratações compulsórias e transferências de risco, a conta poderá alcançar R$ 15 bilhões por ano, representando um aumento médio de 6% na tarifa de energia para consumidores residenciais, comerciais e industriais.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, foi cirúrgico ao afirmar recentemente que "o setor que mais tem lobby no Brasil é o setor elétrico". A aprovação da MP reforçou essa percepção. Um dos pontos mais controversos é a recontratação obrigatória das usinas a carvão mineral até 2040, ao custo de cerca de R$ 1 bilhão por ano. A justificativa — proteger as economias locais das regiões carboníferas do Rio Grande do Sul — é legítima, mas a solução é ruim: perpetua uma fonte poluente e cara, repassando seus custos ineficientes à conta de luz das famílias e das empresas. O resultado será uma indústria menos competitiva e produtos mais caros.
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A fatura cresce ainda mais com a obrigação de realizar leilões exclusivos para térmicas a biomassa e pequenas centrais hidrelétricas, com impacto estimado de R$ 7,9 bilhões anuais. Além disso, o texto determina a priorização na construção da linha de transmissão entre Porto Velho (RO) e Manaus (AM) — um projeto que nunca foi considerado fazer sentido técnico-econômico pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), responsável pelo planejamento técnico do setor.
Mas o maior exemplo de força dos lobbies surgiu no apagar das luzes da tramitação da MP, quando uma emenda aglutinativa, aprovada em segundos e sem debate, obrigou os consumidores a indenizar financeiramente os geradores eólicos e solares por perdas recentes de produção. Em outras palavras, a conta de luz passará a garantir até o lucro esperado pelos investidores privados do segmento renovável. O custo inicial dessa medida pode chegar a R$ 7 bilhões, mas tende a se tornar permanente, perpetuando mais uma "bondade" bancada pela sociedade.
Por outro lado, há pontos de modernização dignos de destaque. Em até três anos, todos os brasileiros poderão escolher de quem comprar sua energia elétrica, negociando livremente preços e fornecedores — algo hoje restrito às distribuidoras e à assinatura de geração distribuída. O regulador terá dois anos para preparar as regras, o que abre caminho para uma atualização das tarifas e dos sistemas de medição.
Os consumidores também ganharão espaço para atuar ativamente na operação do sistema elétrico, participando de programas de resposta da demanda — reduzindo o consumo em horários de pico em troca de remuneração — ou instalando baterias que melhorem a qualidade da energia e prestem serviços ao sistema. São mecanismos modernos, presentes em mercados de energia mais avançados.
Mas a novela da modernização do setor ainda tem um último capítulo: a sanção presidencial. Cabe agora ao presidente Lula vetar os trechos que distorcem o objetivo inicial da proposta — garantir tarifas justas e um setor inclusivo. Como afirmou acertadamente o senador Eduardo Braga, relator da MP, "alguns vetos são necessários para voltar o trem aos trilhos".
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Expurgar os "jabutis" e preservar as medidas de modernização será uma vitória para as famílias brasileiras, que poderão, no futuro, pagar uma conta de luz mais barata, consumir energia mais limpa e até obter renda extra participando ativamente da operação do sistema elétrico.
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