
CELINA LEÃO, vice-governadora do Distrito Federal
O Brasil convive há décadas com números que escancaram a dimensão da violência que atinge mulheres de todas as idades e realidades. Celebrar os 20 anos do serviço 180 é reconhecer que ele se tornou um instrumento indispensável para romper o silêncio, abrir caminhos de proteção e oferecer acolhimento imediato. Mais do que um canal de denúncias, ele é a porta pela qual milhares de mulheres iniciam o difícil movimento de recuperar dignidade, segurança e esperança. Ele nasce como gesto de coragem e exige do Estado uma resposta que esteja à altura dessa confiança.
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Em duas décadas, o 180 ultrapassou 16 milhões de atendimentos e segue como eixo da política nacional de enfrentamento da violência de gênero. Entre janeiro e outubro de 2025, foram registrados mais de 877 mil atendimentos, com média diária de 3 mil mulheres buscando orientação, proteção ou uma saída urgente. As denúncias cresceram 33% e o Estado identifica esse aumento como sinal claro de confiança, e não de agravamento da violência. A Pesquisa Nacional de Violência contra a Mulher, realizada pelo DataSenado, mostra que 58% das vítimas convivem com agressões há mais de um ano e que 71% das violências são presenciadas por outras pessoas, muitas vezes filhos que crescem inseridos em ciclos de medo. A violência psicológica tornou-se a mais comum e 88 das entrevistadas afirmam ter vivido esse tipo de agressão. Apesar da gravidade, apenas 11% acionaram o 180 e somente 28% procuraram uma delegacia, o que revela a distância que ainda separa a mulher da rede de proteção.
O serviço 180 funciona todos os dias em qualquer horário, com atendimento feito por mulheres e acolhimento sigiloso que pode ser acionado por vítimas ou por terceiros. Ele utiliza recursos que aproximam a vítima da rede de apoio local e transforma preocupação em ação concreta. Mas, para que as estatísticas deixem de ser retratos de uma dor que se repete, é indispensável que cada atendimento resulte em proteção real, com segurança, rapidez, sensibilidade e articulação entre instituições. É isso que dá sentido ao serviço. A denúncia precisa encontrar resposta.
No Distrito Federal, temos trabalhado para que essa resposta exista rapidamente. A rede local integra segurança pública, assistência social, saúde, abrigamento, medidas protetivas e ações educativas para romper ciclos de violência. Como vice-governadora, atuo para fortalecer políticas que garantam acolhimento imediato, qualificação de equipes, modernização de fluxos e ampliação de programas que protegem vidas. A violência contra a mulher não será superada apenas com punição, pois exige prevenção, informação, autonomia e transformação cultural capaz de reconstruir comportamentos e mentalidades.
Os números revelam desigualdades profundas, mas revelam também a coragem das mulheres que, mesmo feridas, buscam apoio. Essa busca precisa encontrar Estado forte, instituições presentes e sociedade consciente de seu papel. Não podemos aceitar que tantas mulheres sofram isoladas, nem permitir que tantas crianças cresçam testemunhando agressões que destroem lares e se perpetuam por gerações. A violência contra a mulher é um crime que atravessa familiares, comunidades, escolas, locais de trabalho, e exige ação conjunta.
A proteção das mulheres depende de cada um de nós. Peço que cada pessoa divulgue o serviço 180, acolha quem precisa, incentive a denúncia, reconheça sinais de risco e compreenda que omissão também produz violência. Quando uma mulher pede ajuda, toda a sociedade é chamada a responder, e cada resposta pode significar a diferença entre vida e morte.
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Registrar os 20 anos do serviço 180 é assumir, com firmeza, que o Brasil não pode naturalizar a violência que atinge mulheres todos os dias, mas também é reafirmar que existe caminho, proteção e resposta. Que nenhuma mulher será deixada para trás, que nenhuma denúncia será ignorada, que nenhuma vida será tratada como estatística. Esse é um compromisso que atravessa governos, instituições, lideranças, comunidades e famílias. Que o poder público siga avançando com coragem, que a rede de proteção siga se fortalecendo e que cada mulher encontre a certeza de que não está sozinha. Seguiremos avançando, porque cada vida protegida é uma vitória coletiva e cada denúncia atendida é uma chance real de recomeço.

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