Há uma perigosa barreira prestes a ser ultrapassada no Distrito Federal. Nos oito primeiros meses do ano, 68 motociclistas perderam a vida nas pistas da cidade. É praticamente o mesmo número de vítimas registrado durante todo o ano de 2023 (com 69 óbitos) e um cenário muito próximo do de 2024 (com 74 mortos). Com sucessivos fins de semana de trânsito violento, não é exagero afirmar que 2025 ficará marcado como um dos períodos mais fatais para quem dirige sobre duas rodas.
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Essa realidade se repete pelo país. Segundo o Atlas da Violência 2025, o número de mortes em acidentes de motocicletas subiu 12,5% em um ano — de 12 mil em 2022 para 13,5 mil em 2023. Considerando os feridos — que, também em 2023, foram 28,4 mil —, não restam dúvidas de que se trata de mais um cenário de guerra que desafia gestores públicos e ameaça o futuro das jovens gerações.
Dados do Sistema Único de Saúde (SUS) mostram que a maioria das vítimas são homens, com 20 a 24 anos, que recorrem às motocicletas para trabalhar. Sofrem acidentes enquanto atuam na informalidade, correndo contra o tempo para se beneficiar da lógica de que a renda depende da quantidade de entregas. Muitos dos que escapam precisam se adaptar às sequelas permanentes — quase 70% ficam com deficit motor e 35% são submetidos a amputações, segundo levantamento da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) —, agravando o estado de vulnerabilidade.
Ao Correio, o doutor em segurança em trânsito David Duarte definiu o quadro como "quase desesperador". "Para cada morte, temos 15 motociclistas que ficam com lesões irreversíveis (...), com o que se chama invalidez permanente, e vão ser amparados pelo INSS. É uma guerra em que você tem mortos, mutilados e desvalidos." Entre as medidas para evitar as tragédias, o especialista indica reduzir e controlar a velocidade em áreas urbanas, facilitar que as pessoas tirem a carteira de habilitação e melhorar os cursos de treinamento de motociclistas.
Educar pelo fim da hostilidade que toma conta de ruas e estradas do país também parece medida eficaz. A legislação deixa claro que a segurança no trânsito é responsabilidade de todos, com os motoristas de veículos de maior porte protegendo os menores, e os motorizados, os não motorizados. Na realidade do asfalto, porém, acidentados são deixados para trás, condutores se agridem e até se comemora quando há desfalecidos.
Para além de conscientizar os condutores, as cidades precisam se ajustar à nova configuração das frotas — um em cada três municípios brasileiros já tem mais motos do que carros em circulação, e a tendência é de que esse número aumente. Nesse sentido, a implantação de sinalizações para que motociclistas trafeguem com mais segurança, a chamada faixa azul, mostra-se efetiva em São Paulo, com redução de 47% de mortos nos três primeiros anos de uso.
Há ainda o desafio de incluir a regulamentação dos ciclomotores — a partir de 2026, motos elétricas e outros veículos do tipo terão que circular nas pistas de rolamento e guiados por pessoas habilitadas — e o de mitigar os efeitos das mudanças climáticas — temperaturas e alagamentos extremos são ainda mais perigosos para quem trafega sem carroceria. Em discussão, o Programa Nacional de Segurança de Motociclista pode ajudar a conter as mortes sobre duas rodas considerando essas e outras medidas. Precisa, o quanto antes, sair do papel.
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