PEDRO DE PAULA, diretor executivo da Vital Strategies no Brasil; EUGÊNIO SCANNAVINO NETO, médico e fundador do projeto Saúde e Alegria; e THAIS JUNQUEIRA, superintendente-geral da Umane
O debate global sobre a crise climática tem se concentrado, em grande medida, em estratégias de mitigação e adaptação — fundamentais para conter os danos ambientais que já afetam o planeta. A COP30, que reuniu recentemente o mundo no Brasil, foi uma oportunidade para construir respostas coletivas diante desse desafio. No entanto, há uma dimensão ainda pouco explorada nessa conversa: a saúde das pessoas. As mudanças climáticas não são apenas uma ameaça futura — seus efeitos já estão presentes no cotidiano, no ar que respiramos, na água que bebemos, nas ondas de calor cada vez mais frequentes, na segurança dos alimentos e no agravamento ou surgimento de doenças. É urgente que a saúde seja tratada como parte central da agenda climática. Afinal, cuidar do planeta é, também, cuidar das pessoas.
Nesse sentido, a COP30, em Belém, já pode ser considerada uma edição histórica dessa Conferência pela relevância da conexão entre os debates climáticos e de saúde. Nela, foi lançado oficialmente pelo governo brasileiro e pela Organização Mundial de Saúde (OMS) o plano global para orientar a adaptação dos sistemas de saúde às mudanças climáticas. O plano que, segundo a OMS, visa "fortalecer a adaptação e a resiliência do setor de saúde às mudanças climáticas, avançando em sistemas integrados de vigilância e monitoramento, acelerando a capacitação, promovendo a implementação de políticas baseadas em evidências e estimulando a inovação e a produção sustentável".
Mas, deve-se lembrar que esse olhar para a saúde precisa se voltar, sobretudo, às pessoas e comunidades que têm sido historicamente invisibilizadas nas decisões globais e nas políticas públicas. É o caso dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia Legal, que vivem na região que sediou a COP30 e que deveriam estar no centro das soluções climáticas, não apenas como palco, mas como protagonistas. Essas populações vivem diariamente os efeitos das mudanças no clima, em um território onde a floresta, os rios e os modos de vida são, ao mesmo tempo, fonte de sustento e de resistência.
A pesquisa Mais Dados Mais Saúde, da Vital Strategies e Umane, agora em sua terceira edição, ouviu moradores dos nove estados da Amazônia Legal sobre a relação entre clima e saúde — um marco inédito no país. Os resultados são um alerta: quase um terço (32%) da população da região afirmou já ter sido afetada diretamente pelas mudanças climáticas. Entre povos e comunidades tradicionais, como indígenas, ribeirinhos, quilombolas, seringueiros, entre outros, esse número é ainda mais alarmante, chegando a 42,2%.
Esses impactos se traduzem em fenômenos concretos: o aumento das contas de energia elétrica, a elevação da temperatura média, a piora da qualidade do ar, a intensificação de desastres ambientais e a alta no preço dos alimentos. É o cotidiano das famílias que está em jogo e, com ele, a segurança alimentar, a renda e a própria saúde. Apesar disso, há também sinais de esforço e responsabilidade coletiva. Mais da metade dos participantes da pesquisa (53,3%) afirmou ter mudado hábitos para reduzir práticas que consideram prejudiciais ao meio ambiente.
Entre os povos tradicionais, o engajamento é ainda mais evidente: 55,7% acreditam que é possível agir individualmente para enfrentar a crise climática, e muitos expressam o desejo de adotar comportamentos ainda mais sustentáveis. São populações que, mesmo vivendo sob as consequências mais duras da crise, mantêm a consciência de seu papel e a disposição de contribuir com soluções.
O que falta, portanto, não é consciência, mas ação coordenada. Falta que governos, empresas e a sociedade civil reconheçam e fortaleçam essas vozes, com políticas públicas que protejam os territórios e reduzam desigualdades, especialmente entre os grupos mais vulnerabilizados, como mulheres, famílias de baixa renda e povos e comunidades tradicionais. Colocar a saúde no centro da agenda climática é reconhecer que a crise do clima é também uma crise de justiça social e de equidade.
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Ações como o fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), política pública universal que tem o histórico de reduzir desigualdades sociais no país, são fundamentais para cuidar dessas pessoas. A partir da saúde pública é possível atuar, por meio de campanhas e orientações, para alcançar essas populações com cuidado ativo. Além disso, é fundamental adaptar o SUS aos novos riscos à saúde decorrentes das mudanças climáticas, a exemplo das doenças infecciosas, consequências da exposição ao calor extremo e problemas respiratórios. O sistema público de saúde demanda, ainda, melhoria da infraestrutura para que seja mais resiliente a eventos climáticos extremos e possa atender a quem precisar nessas situações ou antecipando-as, a partir de monitoramento e controle.
O SUS pode, também, desenvolver ações específicas para proteger os mais afetados pelas mudanças climáticas, como na Amazônia Legal e povos e comunidades tradicionais. A inovação nesse processo é fundamental, seja a partir de novas soluções para lidar com a problemática ou, ainda, a partir da geração de dados rapidamente para contornar, prever e subsidiar ações intersetoriais para promover saúde diante das mudanças climáticas. Um exemplo é a metodologia do Mais Dados Mais Saúde, que em menos de dois meses captou percepções da população sobre clima e saúde de maneira rápida, de baixo custo e escalável, alcançando populações historicamente sub-representadas.
Saúde e clima são indissociáveis. A crise do clima é uma crise da saúde e precisa ser vista como tal. Cuidar do planeta exige, antes de tudo, cuidar das pessoas que mais precisam ser ouvidas e protegidas.
