
Gilmar Pereira da Silva — professor, doutor em educação e reitor da Universidade Federal do Pará
A realização da COP30 em Belém marca um ponto de atenção não apenas para a capital paraense, mas para toda a Amazônia e para o debate global sobre o clima deste momento. Esse evento não foi apenas uma conferência de líderes mundiais, mas também foi o palco onde a ciência e os saberes tradicionais da nossa região se ergueram com voz e protagonismo inéditos.
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Para a Universidade Federal do Pará (UFPA), sediar grande parte das atividades paralelas e atuar como um propagador de conhecimento e diálogo consolidou o papel essencial das universidades amazônicas na construção de soluções sustentáveis. A participação da UFPA na COP30, capitaneada pelo movimento "Ciência e Vozes da Amazônia", extrapolou os limites do ensino e da pesquisa.
Transformamos nosso território universitário em espaços vitais de intercâmbio, desde a Cúpula dos Povos, um momento fundamental para o fortalecimento das vozes indígenas, quilombolas e ribeirinhas, até a intensa programação na Zona Azul e na Zona Verde, mostrando que a universidade pública é o berço onde a inovação dialoga com a ancestralidade.
Nesse espaço acadêmico à beira do Rio Guamá, também tivemos a oportunidade de exercer nosso diálogo internacional consolidando acordos de cooperação, motivados pela presença inédita do presidente Emmanuel Macron, que conheceu nosso projeto de expedição científica Brasil-França.
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No contexto da COP, firmamos parcerias estratégicas, como o acordo de cooperação com o Supremo Tribunal Federal (STF), evidenciando que o desenvolvimento sustentável exige o alinhamento entre ciência, direito e justiça climática. Nossos projetos culturais, como a reabertura do Conjunto dos Mercedários-UFPA, prédio que data do século 17 e hoje com a primeira etapa de restauro concluída com apoio de parceiros como o BNDES e Vale, a instalação do Fórum Landi e a inauguração de exposições e galeria, levaram o impacto de uma conferência na Amazônia para o âmbito popular, conectando a teoria global à realidade das comunidades locais e à rica sociobiodiversidade que é a essência de nossa identidade.
A UFPA também se reafirmou como um vetor de desenvolvimento regional e inclusão ao acolher em sua escola de aplicação mais de 3 mil indígenas de diferentes povos do planeta na chamada "Aldeia COP", permitindo uma experiência única e humana.
Encerramos a COP30 com um otimismo inabalável, mas profundamente realista. Esse é um sentimento que reside na visibilidade que a Amazônia conquistou, sendo finalmente reconhecida não apenas como um cenário de crise, mas como a protagonista das respostas globais. A realidade, contudo, nos impõe desafios monumentais que a Conferência apenas sublinhou e amplificou.
O grande desafio da ciência amazônica pós-COP é consolidar a sua soberania, exigindo financiamento robusto e contínuo para pesquisas que traduzam a nossa megabiodiversidade em bioeconomia, inovação e tecnologia. Não basta gerar dados. É imperativo que o conhecimento produzido aqui se transforme em política pública e em um novo ciclo de ensino e aprendizado dentro da própria universidade. A discussão sobre a transição energética e o desenvolvimento competitivo da Amazônia exige a formação de profissionais capacitados, o que reforça nosso projeto de alcançar, por exemplo, um uso significativo de energias renováveis em nossos próprios campi.
A experiência da COP30 nos convoca a uma mudança de mentalidade radical, pois o legado não pode ser apenas material, como obras de infraestrutura. Deve ser, acima de tudo, intelectual. E a voz dos povos da Amazônia, que ecoou forte na UFPA nos dias da conferência, não pode ser silenciada. O maior desafio social é garantir a justiça climática assegurando que as populações mais vulneráveis das periferias urbanas, comunidades tradicionais e povos indígenas sejam o centro das soluções e não apenas as vítimas das mudanças climáticas.
Precisamos ampliar o diálogo, desmistificar a ciência e garantir que o conhecimento chegue à ponta, empoderando as comunidades a serem gestoras dos próprios territórios. A COP 30 foi a semente plantada na terra de Belém.
Agora, o verdadeiro trabalho começa. O legado da Conferência é a certeza de que a solução para a crise climática global está inextricavelmente ligada à ciência e às vozes que emanam da Amazônia. A UFPA está na linha de frente, comprometida em transformar o conhecimento em ação e a esperança em um futuro sustentável para todos. Convidamos a comunidade acadêmica, a sociedade e nossos parceiros globais a caminharem conosco nesse novo ciclo de responsabilidade e protagonismo.
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